Título: Engenharia nacional recupera o brilho
Autor: Marli Olmos
Fonte: Valor Econômico, 06/05/2005, Empresas &, p. B9

Não é de hoje que o brasileiro "pensa simples" para conceber o carro ideal para a população de mercados emergentes. O trabalho da engenharia brasileira, na linha de frente nos próximos projetos, remete aos tempos da Brasília, da Volkswagen, um veículo essencialmente nacional, criado na década de 70, como lembra Luiz Carlos Mello, coordenador da pós-graduação em Administração e Tecnologia automotiva da FEI, curso recentemente criado para a especialização na área. Mello, que também foi presidente da Ford no Brasil entre 1987 e 1992, recorda que a pressão pelo carro mundial começou na década de 80. "O conceito e o sonho de carros mundiais vinham em modelos como o Escort, da Ford", destaca ele, também um engenheiro. "Os iluminados achavam que carro mundial era sinônimo de economia, mas o tempo provou que não era, e que esse tipo de veículo nem sempre correspondia aos hábitos dos consumidores de mercados distantes de onde o projeto havia sido concebido", explica. Para Mello, nunca houve como fazer um carro desenvolvido em Detroit ser comprado por brasileiros. Ao longo dos anos 90, a engenharia brasileira perdeu muito da sua autenticidade. Na época, as montadoras trouxeram até os seus fornecedores prediletos para o país, que se encarregaram de comprar autopeças brasileiras. "Esta foi a pior fase da engenharia automotiva brasileira", lembra Mello. Hoje, os engenheiros comemoram o fato de o Brasil ter chegado à ousadia de não apenas fazer carros para o seu próprio mercado, como também para outros de características semelhantes, incluindo consumidores de menor poder aquisitivo de países europeus. "Hoje, finalmente, as montadoras perceberam que a engenharia pode ir ainda mais além; ser repartida, num trabalho de várias mãos", afirma Mello. Na década de 80, o Brasil viveu um processo de redução de custos de engenharia com a aliança de duas grandes montadoras, Ford e Volkswagen, numa empresa chamada de Autolatina. O brasileiro tinha de engolir a compra de carros iguais com nomes e marcas diferentes. Caso de irmãos como Apolo (VW) e Verona (Ford). Hoje, os tempos são outros e o consumidor, com a abertura de fronteiras, passou a ser mais exigente. Para Mello, a indústria é capaz de desenvolver carros diferentes a partir de processos iguais. O professor de engenharia de produção da Universidade de São Paulo (USP), Mauro Zilbovicius, concorda que os profissionais dessa indústria no Brasil adquiriram boa parte da competência em desenvolvimento de carros nos tempos de mercado fechado. Para o professor, até pouco tempo atrás ainda havia resistência das matrizes das montadoras em transferir desenvolvimento tecnológico para os países emergentes. "O processo ainda é um pouco visto como terceirização, apesar de essa transferência ser para as suas próprias filiais." Para ele, as montadoras demoraram a perceber que tinham uma base de engenharia de primeira e barata instalada em países como o Brasil. "Agora, já se foram os tempos em que os engenheiros brasileiros tinham de ir para a Europa aprender o que já estava defasado por lá", afirma. Segundo Zilbovicius, a base tecnológica brasileira oferece hoje para as montadoras mão-de-obra capaz, produtiva e barata. (MO)