Título: Brasil ajuda a desenhar o carro global
Autor: Marli Olmos
Fonte: Valor Econômico, 06/05/2005, Empresas &, p. B9

Como uma orquestra afinada, engenheiros da General Motors de cinco países se reúnem mensalmente. Estados Unidos, Alemanha, Áustria, Brasil e Coréia conectam-se em vídeo conferência a cada 30 dias e pessoalmente a cada 90. Planejam, juntos, os próximos automóveis e, pela primeira vez, daqui a quatro anos, os consumidores de todo o planeta conhecerão projetos nascidos dessa globalização de engenharias automotivas. Cada vez mais apertadas pela necessidade de cortar custos, montadoras como a General Motors, cujas dificuldades financeiras nos Estados Unidos sobressaltam a cada balanço trimestral, começam a transferir custos de desenvolvimento de veículos para os países emergentes e incluem os centros de engenharia mais capacitados a desenvolver automóveis dessas regiões na elaboração dos novos projetos. O custo da engenharia nos países emergentes equivale a 50% a 60% do valor do mesmo trabalho na Europa. A Coréia tem hoje ainda uma vantagem de 10% em relação ao Brasil, segundo o diretor de engenharia da General Motors, Pedro Manuchakian, que, entre outras tarefas, tem a missão de reduzir essa diferença em relação aos coreanos. "No conceito que estamos trabalhando hoje, um consumidor americano poderá comprar um carro projetado na Coréia", conta Manuchakian. Ou, ainda: esse futuro automóvel poderá também nascer da união de partes desenvolvidas em diferentes pontos do planeta. Dessa forma, esse carro do futuro poderá ser a soma de projetos de diversas nacionalidades, que resultarão em um único veículo. O sistema de suspensão, por exemplo, poderá ser projetado pelo Brasil, onde sobra conhecimento no assunto como conseqüência das estradas esburacadas. Manuchakian é um exemplo de experiência nesse processo de transformação tecnológico. Há 33 anos na GM do Brasil, ele lembra de ter recorrido a malotes para enviar para a matriz da empresa, nos Estados Unidos, cópias do projeto de adaptação de transmissão de marchas do Chevette que seria vendido no Brasil. Hoje, ele dirige a engenharia da companhia para a região da América Latina, África e Oriente Médio, sediada em São Caetano do Sul (SP), que compõe esse grupo de cinco centros de desenvolvimento. Manuchakian participa de um processo em que a indústria automobilística decreta o fim do carro mundial, aquele que era feito nos países desenvolvidos para depois sofrer adaptações nos mercados emergentes, para a frustração dos engenheiros locais . A engenharia automotiva brasileira já começou a expor seu talento com os seus próprios projetos de carros compactos, como Celta, da GM, e Fox, da Volkswagen. Mas o trabalho que está em curso hoje é um passo além. O objetivo é criar a base de um carro com o envolvimento de toda a engenharia mundial e, a partir dessa plataforma, criar modelos de automóveis específicos para cada mercado. Dessa forma, o restante da arquitetura do veículo vai variar de país para país e o consumidor nem perceberá que a base é a mesma, segundo Manuchakian. "Não vamos mais duplicar projetos de modelos como se fazia antigamente porque as empresas não têm mais dinheiro para isso", explica o executivo, que no próximo mês vai receber no Brasil os diretores de engenharia dos EUA, Europa e Ásia para mais uma reunião trimestral dos cinco centros. Segundo ele, os projetos que deverão estar prontos daqui a quatro anos já estarão inseridos nesse conceito. As mudanças mais radicais serão vistas daqui a 10 anos. Nesse processo, cresce a necessidade de contratação de pessoal, já recrutado dentro do novo conceito de plataformas. No ano passado, a GM do Brasil aumentou o número de engenheiros de 500 para 660 e deve elevar o quadro em pelo menos mais 40% nos próximos cinco anos. Diante das novas demandas, que incluem até exportação de projetos de engenharia para Estados Unidos e Europa, os engenheiros passaram a se dividir em dois turnos, como os operários das linhas de montagem. O primeiro entra às 4 horas da manhã, devido também ao fuso horário entre todos os países envolvidos. Na semana passada, o diretor de engenharia de produto da Fiat no Brasil, Appio Aguinari, recebeu uma boa notícia do seu chefe na Itália, que foi visitá-lo em Betim (MG) quando concedeu entrevista ao Valor. O italiano confirmou que a subsidiária brasileira poderá desenvolver veículos para a Europa. Ainda sob o impacto da boa nova, Aguinari disse: "Hoje é o momento mais importante da engenharia automotiva no Brasil". Aguinari é outro exemplo de vivência no processo em que o Brasil passou dos tempos de adaptação de veículos já desgastados nos países desenvolvidos para elaboração de produtos locais e que ruma, agora, para o desenvolvimento de carros para outros países. Na Fiat desde que a montadora se instalou no país, no início da década de 70, esse executivo italiano trabalhou no projeto do modelo 147. É ele também o "pai" do Palio, o primeiro automóvel concebido com participação da engenharia brasileira na década de 90. Hoje ele trabalha nos modelos que serão lançados em 2008. Em Minas Gerais está o maior centro de desenvolvimento da Fiat fora da Itália. Segundo Aguinari, a Europa já usa projetos que foram desenvolvidos no Brasil. É o caso de sistemas de combustível, novas resistências de carroceria e especificações de suspensão. Novos pólos de desenvolvimento de veículos da montadora italiana começam, agora, a despontar em outros países, como Turquia, China e India. "Mas a Turquia aprendeu com o Brasil", garante. O "pai" de outro modelo brasileiro, o Fox, da Volkswagen, não é engenheiro. Mas está envolvido no desenvolvimento mundial dos próximos veículos da Volks. Desde o início do ano, o desenhista Luiz Alberto Veiga está morando em Potsdam, cidade próxima de Berlim, onde a montadora alemã construiu o seu mais novo centro de desenvolvimento de produtos. O trabalho de Veiga no desenvolvimento de carros compactos no Brasil levou a companhia a colocá-lo no cargo de chefe mundial de design para mercados emergentes. Segundo Veiga, o Fox é um carro que não estava nos planos da Volks. Mas os brasileiros conseguiram fazer um novo modelo compacto, sobre a plataforma do alemão Polo. E hoje o Fox está sendo exportado para a Europa. Veiga conta o segredo do avanço do conhecimento brasileiro: "A Alemanha se sofisticou tanto para fazer automóveis que perdeu a capacidade de pensar simples".