Título: Retrato da fome
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 06/05/2005, EU & FIN DE SEMANA, p. 8

Na semana passada, o economista americano Jeffrey Sachs, um dos mais badalados pela mídia internacional, esteve em Brasília e conheceu o programa Fome Zero, do governo federal. Diretor do Projeto do Milênio da ONU, Sachs aproveitou a oportunidade para reiterar seu discurso contra a fome e defendeu a obrigação dos países ricos em ajudar, cada vez mais, os pobres. O argumento é irrefutável: oito milhões de pessoas morrem em conseqüência da pobreza. "Porque não têm dinheiro suficiente para cuidados básicos de saúde, água potável ou alimentação adequada. E os países ricos estão simplesmente virando as costas", afirmou o economista da Universidade Columbia, em reunião com o ministro Olívio Dutra. Boa parte de suas propostas para a erradicação da fome estão no livro "The End of Poverty: Economic Possibilities for Our Time" (Penguin, 320 págs.), recém-lançado nos EUA e na Grã-Bretanha. Bem-escritas, suas idéias não são muito aceitas por alguns de seus colegas. É verdade, entretanto, que críticas são feitas mais à sua personalidade egocêntrica do que à fragilidade de suas soluções para os problemas. Um ex-membro do primeiro escalão do governo dos EUA comentou certa vez que Sachs parece estar perto de completar a transição de "economista para para profeta do Velho Testamento". Talvez isso não seja uma coisa ruim. Sachs, com sua onipresença nos meios de comunicação de massa e seu papel de conselheiro de Kofi Annan, sempre provoca inveja e enfado em igual medida entre seus colegas economistas. Apesar - ou talvez por causa disso - de seu trabalho diário no comando do enorme e interdisciplinar Earth Institute, da Universidade Columbia, muitos começaram a classificá-lo mais como um advogado do que um acadêmico. Há certa verdade nessa acusação. O entusiástico chamado às armas da conclusão do livro é sobrepujado por um prefácio exagerado do rock star Bono Vox, cuja indiscutível eloqüência oral evidentemente não se traduz bem na palavra escrita. Mas ao longo do caminho se desenrola uma argumentação consistente e indiscutível para infusões maciças de ajuda estrangeira destinada à superação dos problemas interligados da pobreza, baixo crescimento, degradação ambiental e doenças que atormentam os países mais pobres, em particular os da África. Às vezes, Sachs exagera em seus argumentos, ou se concentra demais em seu próprio papel. Seções que poderiam ser elucidativas do desenvolvimento da Índia, China e Polônia são, em vez disso, interligadas a episódios da vida de um certo Jeffrey Sachs. Com relação às suas conclusões, o potencial de transferências respeitáveis de dinheiro para ser bem usado já se exauriu; os obstáculos e impraticabilidades são evitados. Mas pelo menos a disseminada e freqüentemente mal informada negatividade com que o público e alguns políticos, especialmente nos EUA, vêem a ajuda externa agora tem uma refutação coerente. O livro atinge seus melhores momentos quando ataca os mitos populares sobre a ajuda e o desenvolvimento, e não quando parece fazer alegações grandiosas de anunciar a invenção de uma nova e multifacetada abordagem para o desenvolvimento. A crítica de que bilhões de dólares em ajuda já foram gastos ao longo de décadas, com poucos resultados é atacada de maneira correta. De fato, muito foi gasto de maneira errada, entregue a países errados (aliados na Guerra Fria), atrelado a importações ou consultorias no país doador, se não se perdeu, simplesmente. (Com agências noticiosas