Título: O Muro que chora e reunifica
Autor: Carlos Eduardo Lins da Silva
Fonte: Valor Econômico, 06/05/2005, EU & FIN DE SEMANA, p. 11 a 15

Poucas experiências na vida de quem de alguma forma viveu a Guerra do Vietnã podem ser tão tocantes quanto uma visita ao memorial construído em homenagem a suas vítimas americanas, em Washington. "The Wall" (O Muro), como é conhecido, é dramaticamente simples do ponto de vista de concepção arquitetônica: uma série de placas de granito preto polido colocadas lado a lado, que começa bastante baixa, vai crescendo em altura e termina novamente baixa. Nas placas, em ordem cronológica, foram inscritos os nomes de 58.132 militares americanos mortos ou desaparecidos em ação no Vietnã. O muro está erguido nos Jardins da Constituição, apontando para a direção do obelisco em homenagem a Washington e o monumento a Lincoln. Foi concebido em 1981 por Maya Ying Lin, sino-americana que na época tinha 21 anos de idade e ainda era estudante de arquitetura na Universidade de Yale. Lin ganhou o concurso instituído por uma organização não governamental, o Vietnam Veterans Memorial Fund, criada por veteranos da Guerra do Vietnã, sem apoio do Estado, que colaborou apenas com a cessão do espaço em que o monumento foi erigido. Todo o dinheiro para a construção, no total aproximado de US$ 7 milhões, veio de doações feitas por 275 mil fontes diferentes - na maioria absoluta, familiares e organizações de veteranos. Como a própria guerra, a homenagem a seus mortos também gerou enorme polêmica nos EUA. Havia quem não quisesse nenhum tipo de marco para uma guerra que havia sido perdida. Havia outros, muitos mais, que acharam o muro lúgubre e indicativo de vergonha e constrangimento para o país. Os críticos do projeto de Lin fizeram tanto alarde que acabaram conseguindo que a ele fosse acrescentada uma estátua que representa alguns soldados e uma bandeira americana e que soa absolutamente fora de lugar no singelo parque criado pelo granito. Mas sua presença lá tem um significado histórico inquestionável: representa concretamente a divisão que o Vietnã provocou na sociedade americana. O presidente Ronald Reagan só visitou o memorial seis meses após a inauguração, que aconteceu em 13 de novembro de 1982. Essa demora (em geral, o presidente americano está presente à inauguração de monumentos desse tipo) indica o desconforto que o Muro provoca entre alguns americanos mais conservadores. Mas a presença de Reagan no local simbolizou também a bênção do maior líder desse grupo ao projeto. Desde a inauguração, criou-se em torno do memorial uma liturgia espontânea. Além do silêncio reverencial com que as pessoas desfilam diante dele, tornou-se um hábito copiar em papel, com o uso de um lápis, o nome das pessoas conhecidas ou amadas identificado pelos visitantes. E também é comum a oferenda de flores, objetos de estimação, cartas, pequenas bandeiras, roupas, fotos, deixados próximos ao nome da pessoa a que se destinam. Não são incomuns, como se poderia esperar, cenas de emoção de parentes, viúvas, filhos, sobrinhos, netos das vítimas quando se vêem diante do nome de quem perderam. De cinco a seis milhões de pessoas visitam o memorial a cada ano. Para todas elas e para o país, o Muro é uma forma de reconciliação nacional. (CELS)