Título: A câmera olha e repensa a realidade
Autor: Carlos Eduardo Lins da Silva
Fonte: Valor Econômico, 06/05/2005, EU & FIN DE SEMANA, p. 11 a 15

O cinema é um dos instrumentos de auto-análise coletiva de que sociedades dispõem para tentar compreender suas tragédias e buscar formas de lidar com elas e seus efeitos. E, assim, continua sendo muito utilizado pelos americanos em assuntos relacionados à Guerra do Vietnã. Centenas de filmes e seriados de TV tratam do tema, ostensiva ou indiretamente. Os primeiros seguiram a linha tradicional dos filmes de Hollywood, que mostram os americanos como heróis e idealistas e seus inimigos como quase demônios. Era o caso de "Os Boinas Verdes", de 1968, dirigido e estrelado por John Wayne. Mas, ao contrário do que ocorrera na Segunda Guerra Mundial, fitas desse teor não tiveram boa bilheteria nos anos 1960. Provavelmente, porque, no caso do Vietnã, faltava consenso a favor da ação militar americana que existiu na década de 1940. Nesses primeiros estágios da reflexão sobre o que os EUA faziam no Sudeste da Ásia, tinham alguma repercussão os filmes que aludiam aos efeitos das dúvidas existenciais provocadas pela guerra nos EUA, em especial nos ambientes acadêmicos ou intelectuais. Como "Easy Rider", o clássico de Dennis Hopper, de 1969, que revelou três nomes que se tornaram celebridades nas décadas seguintes: Jack Nicholson, Peter Fonda e o próprio Hopper. Foi principalmente pouco antes e depois da queda de Saigon que as produções sobre a Guerra do Vietnã começaram a fazer sucesso de público e de crítica. Alguns são considerados verdadeiras obras-primas, como dois trabalhos de Francis Ford Coppola: "Apocalypse Now", de 1979, com Marlon Brando, Martin Sheen, Robert Duvall, Dennis Hopper e Harrison Ford, e "Jardins de Pedra", de 1987, com James Caan, Anjelica Huston, James Earl Jones e D.B. Sweeney. A maior parte dos filmes mais famosos sobre o Vietnã era claramente de oposição à guerra. O que reflete não apenas o ambiente ideológico do mundo artístico americano, mas também o alto grau de impopularidade de que o conflito foi alvo durante muitos anos nos EUA como um todo. É verdade que a série "Rambo", estrelada por Sylvester Stallone, obteve grandes audiências na década de 1980, quando a "revolução conservadora" liderada por Ronald Reagan se consolidava. Mas, em termos de reconhecimento estético, nenhuma produção simpática à guerra chegou perto das que lhe eram críticas. A lista destas pode ser bastante extensa, com a inclusão, por exemplo, de "Amargo Regresso", de Hal Ashby, com Jane Fonda e Jon Voight; "Nascido em 4 de Julho", de Oliver Stone, com Tom Cruise; "Bom Dia Vietnã", de Barry Levinson, com Robin Williams; "Platoon", de Oliver Stone, com Tom Berenger e Willem Dafoe. Alguns documentários também se tornaram famosos. Dois se destacam: "Corações e Mentes", de Peter Davis, que ganhou o Oscar de sua categoria em 1974, um libelo contra a guerra que não fazia nenhum esforço de imparcialidade, e "Cartas do Vietnã", de Bill Couturie, uma das mais comoventes de todas as obras sobre a guerra, composta basicamente pela leitura de cartas reais enviadas pelos soldados para casa, por grandes astros e ilustrada por cenas documentais e canções da época. Entre as séries de TV que com freqüência abordam o Vietnã estão "The American Dream" e "Wonder Years". (CELS)