Título: Indexação ainda é problema sério e prejudica combate à inflação
Autor: Cynthia Malta
Fonte: Valor Econômico, 15/10/2004, Brasil, p. A-4

Paulo Picchetti, da Fipe/USP, diz que é hora de começar a estudar índices setoriais A indexação continua sendo um problema sério na economia brasileira e vem prejudicando a política de combate à inflação. A avaliação é de economistas ouvidos pelo Valor, que apontam as correções das tarifas públicas como um fator importante de realimentação do processo de aumento dos preços. Até mesmo o Banco Central, recentemente, dedicou quatro páginas do seu relatório de inflação de setembro para explicar que estava aumentando a meta de inflação de 2005, de 4,5% para 5,1%, devido à inércia inflacionária herdada de 2004. Observou que "o IGP-DI desempenha papel importante na determinação da inércia, por servir de indexador em cláusulas contratuais de reajustes de preços". Considerou em seus cálculos os aumentos das tarifas de eletricidade e telefonia, em especial, e o desempenho dos preços livres. Chegou à conclusão de que um aumento de 0,9 ponto percentual do IPCA, o índice que mede a inflação oficial do país, já está dado em 2005 por conta dos aumentos praticados neste ano. Decidiu levar dois terços deste aumento para a meta de 4,5%, que acabou subindo para 5,1%. O coordenador da pesquisa de preços da Fipe/USP, Paulo Pichetti, lembra que na ponderação do IPCA, 30% cabem aos preços administrados e monitorados e é com estes que o BC está preocupado. Ele diz que desde julho de 1994, quando foi lançado o Plano Real, até setembro deste ano, enquanto o IPC da Fipe (cuja composição é semelhante à do IPCA) subiu 149,41%, a conta do telefone aumentou 657,49%; a luz, 262,28%; água e esgoto, 228,37%, butijão de gás, 485,33%; e gasolina, 264,56%. Na ponta dos preços livres, Pichetti destaca alimentação, que subiu 106,68%, e vestuário, com aumento de apenas 10,40%. "A política de metas de inflação é manchada por essa indexação. As tarifas públicas afetam todas as classes de consumidores, e também as empresas. E esses preços fazem parte da formação de outros preços", diz o economista Luiz Gonzaga Belluzzo, professor na Unicamp. O IGP-M, usado, por exemplo, para reajustar preços de serviço de TV a cabo, "traz a oscilação do dólar para a inflação", nota Belluzzo. A raiz desse problema, lembra, data da época da privatização, quando as empresas que disputaram os leilões tomaram empréstimos em dólar ou atrelados à variação cambial e queriam um índice de reajuste nos contratos que tivesse a moeda americana como componente. "Isso deixou o sistema de preços vulnerável", diz Belluzzo. O professor João Sicsú, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, lembra que "as empresas que adquiriram as antigas estatais são empresas estrangeiras que gostariam de dolarizar as tarifas para proteger suas remessas futuras de lucro para a matriz. Mas dolarizar não era politicamente viável, então se buscou um índice, no caso o IGP, que varia de forma muito próxima ao dólar, mas não é o dólar". Belluzzo, Sicsú e Pichetti sugerem que o melhor a fazer para reduzir o grau de indexação seria rever os contratos com as empresas prestadoras de serviços. Mas reconhecem que é algo politicamente delicado. "Processos de negociação e renegociação fazem parte da dinâmica da economia capitalista. Renegociação não é pecado, o que é pecado é a indexação atual", diz Sicsú. Belluzzo concorda mas avalia a possibilidade com ceticismo. "Tanto tucanos como petistas morrem de medo dessa discussão. A única saída é, então, manter o câmbio estabilizado", diz o professor da Unicamp. O sócio da Tendências Consultoria, Edward Amadeo, observa que a expressão "câmbio estabilizado não deveria mais fazer parte do vocabulário. Nosso regime é de câmbio flutuante. Mesmo sendo um regime sujo, com certa intervenção do BC, o câmbio flutua." Amadeo concorda que o ideal, como propõe Pichetti, seria trocar os IGPs por índices setoriais, que medissem a variação dos custos das empresas. "Mas não seria factível pois os custos das empresas são diferentes entre si", diz Amadeo. O governo, por meio da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), vem defendendo que a energia vendida nos novos leilões utilizem o IPCA como indexador. Os economistas acham que isso pode ajudar a reduzir a contaminação do dólar na inflação. Mas também pode afastar investidores desse negócio, lembra o sócio da Tendências. O coordenador dos índices de preços (IGPs) da Fundação Getúlio Vargas, Salomão Quadros, observa que a presença do dólar nos indexadores de prestação de alguns serviços públicos é importante já que "alguns insumos são importados, e há importação de tecnologia." E nota que assim como os IGPs sobem, também podem descer. "E já estamos vendo um movimento contrário ao do começo do ano. As commodities agrícolas estão baixando e isso pode puxar os IGPs para baixo nos próximos meses." Quadros observa que os preços praticados no mercado internacional tendem a estar mais presentes na economia local quanto mais aberta esta for. Cita o caso do aço, que já subiu 40% neste ano no atacado brasileiro e 38% nos Estados Unidos.