Título: Juro afeta investimento e Ipea revê PIB
Autor: Vera Saavedra Durão e Raquel Salgado
Fonte: Valor Econômico, 09/05/2005, Brasil, p. A5

O aperto monetário iniciado pelo Banco Central em setembro impactou mais fortemente o investimento do que o consumo até este momento. Os sinais desta situação ficaram mais evidentes com os dados da produção industrial no primeiro trimestre, divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), na sexta-feira. Apesar da ligeira recuperação na margem (crescimento de 1,7% de fevereiro para março com ajuste sazonal), no acumulado do primeiro trimestre em relação ao mesmo período de 2004, a atividade industrial teve expansão de 3,9%. Esse resultado ficou bem aquém das expectativas e foi impulsionado pela produção de bens de consumo, tanto duráveis e como não duráveis. Em contrapartida, a produção de bens de capital e bens intermediários arrefeceu. A produção de bens de capital caiu nos últimos dois trimestres (em relação ao período imediatamente anterior e já considerando o ajuste sazonal). Já em bens de consumo, o crescimento tem sido ininterrupto há cinco trimestres, pelo menos. Em relação a 2004, o ritmo de expansão dos bens de capital recuou de 22% (no início do ano) para 2,5% neste começo de 2005, enquanto em produtos de consumo, veio de 20% para 13%. Na média, a indústria cresceu 3,9% no primeiro trimestre. Tal desempenho levará o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) a revisar para baixo os números do Produto Interno Bruto (PIB) trimestral e, consequentemente, a taxa de crescimento para o ano, hoje em 3,5%, disse Estevão Kopschitz, que responde pelos estudos de atividade no Ipea. As projeções feitas no início do ano pelo Ipea - 0,8% de alta sobre o PIB do quarto trimestre e 4% sobre os primeiros três meses de 2004 - pressupunham 7% de alta na indústria. "Pelos últimos indicadores, a produção está estável, mas as vendas industriais estão em queda nos últimos seis meses, como informou a Confederação Nacional da Indústria (CNI). Isso sugere alta de estoques e aponta claramente para a redução da produção industrial nos próximos meses", avaliou o economista do Ipea. Para Kopschitz, parte desse cenário se deve ao impacto da alta do juro que vem afetando principalmente o investimento, com desaceleração da produção de bens de capital e de insumos para a construção civil, que no primeiro trimestre cresceram só 2,5% e 0,7%, respectivamente, ante 7,0% de alta em bens de consumo. O Ipea previa um crescimento da Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF) de 7,3% neste primeiro trimestre, que não deverá se confirmar. Olhando para estes dados, a corretora Convenção espera que o investimento registre queda de 2,5% no PIB trimestral em relação ao trimestre anterior. A construção civil (com peso de 60% no investimento) sustenta essa análise negativa, pois a produção de insumos recuou 1% en relação a março de 2004 e acumula alta de apenas 0,7% neste primeiro trimestre. Mais otimista, o economista Nelson Rocha Augusto, diretor presidente da BB-DTVM, não vai alterar sua projeção de 4% para o PIB deste ano. "Não consigo revisar o produto para baixo. Estamos com uma expansão do crédito na economia bastante boa. Até agora o balanço dos bancos aponta para uma expansão média da carteira de crédito de 20%. O crédito consignado pode alcançar R$ 3,5 bilhões e a meu ver, o crédito total na economia brasileira já deve ter ultrapassado os 30% do PIB". Para Rocha Augusto, a produção da indústria está menos acelerada pela base de comparação mais elevada, mas deverá se recuperar em breve sustentada pelo consumo de bens duráveis ancorado no crédito e na ampliação da renda. Entre estes, a correção da tabela do Imposto de Renda, o emprego que continua em recuperação e o novo mínimo, "que vai injetar R$ 18 bilhões na economia". Rocha Augusto reconhece que esse movimento de "acomodação" da atividade industrial sofre influência negativa da alta do juro. mas ele não vê contradição entre aumento do crédito e política monetária apertada. O crédito disponível na economia brasileira, argumenta, ainda é muito baixo em relação aos padrões internacionais. Francisco Eduardo Pires de Souza, economista e assessor especial da diretoria de planejamento do BNDES, trabalha com uma conjuntura de desaceleração da atividade industrial, embora aponte sinais ambíguos e impactos negativos mais fortes no investimento. "É preciso tomar cuidado com esta análise. O juro subindo mais e por um período mais prolongado do que se imaginava introduziu um pouco mais de incerteza na conjuntura. Essa situação pode levar as empresas a desacelerarem projetos de investimento e adiar a tomada de decisões, mas é um movimento diferenciado por setores". Souza lembra que os setores de insumos básicos (petroquímica, aço e papel e celulose) não estão parados, pois chegaram ao limite da capacidade e investem olhando o longo prazo. No setor de bens de capital, ele aponta dados do BNDES que informam que os desembolsos para bens seriados e algumas compras isoladas de bens sob encomenda continuam crescendo nas comparações trimestrais (trimestre imediatamente anterior) a uma média de 23% a 25%. Para Sílvio Salles, coordenador da área de indústria do IBGE, o efeito dos juros contribui para a perspectiva de menor crescimento da indústria. " A desaceleração aparece de forma mais nítida nos setores de bens intermediários e bens de capital. O primeiro pode ter sofrido efeito de ajuste de estoque e o segundo de desaceleração de investimentos " , pondera. Júlio Sérgio Gomes de Almeida, diretor-executivo do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), avalia que contribui para essa discrepância o acesso ao crédito. Enquanto os consumidores (via crédito consignado, ampliação de prazo, etc) têm tido acesso a facilidades e taxas menores, os empresários, a quem cabe investir em produção e infra-estrutura, têm sofrido não só com o encarecimento do crédito, mas também com um abalo nas expectativas e na confiança de que a economia continuará a crescer a taxas expressivas.