Título: Alianças sem idéias: eis o nosso destino?
Autor: Fernando Luiz Abrucio
Fonte: Valor Econômico, 09/05/2005, Política, p. A7

O governo Lula e o PSDB começam a articular suas alianças para as eleições de 2006. O primeiro em busca do PMDB, enquanto os tucanos, conforme publicado pela "Folha de São Paulo," vão atrás do apoio do presidente da Câmara - é a parceria FHC-Severino, novamente de acordo com o noticiado pela imprensa. Tendo em conta a necessidade democrática de montar uma coalizão entre partidos diferentes para governar o país, pois nenhum sozinho ou mesmo a junção de dois deles consegue obter uma maioria congressual, não há como escapar destas conversas e do acordo multipartidário - no lugar disso, teríamos o messianismo ingovernável ou o autoritarismo presidencial. Porém, é possível mudar, em boa medida, a forma dessa negociação, colocando a discussão de uma agenda comum como condição sine qua non para a montagem da aliança presidencial. Ao contrário do que imagina o realismo maior do que o rei, predominante no pólo hegemônico do sistema político, compromissos baseados em projetos aprovados pelas urnas garantem posteriormente maior fidelidade política do que a tática exclusiva da distribuição dos cargos e verbas. É lógico (e saudável à democracia) que dois ou mais partidos aliados dividam o governo entre si, particularmente no que se refere aos postos ministeriais. Só que isso deve ser construído em torno de uma agenda prévia que contenha diagnósticos e soluções para as diferentes áreas da administração (Saúde, Educação etc.), para que depois o presidente, em conversa com as legendas governistas, escolha os nomes dos ministros. No Brasil tem ocorrido o inverso. Acompanhemos a lógica predominante, passo a passo. Primeiro o presidente faz as contas dos apoios que necessita receber. Depois, seleciona as pessoas entre os partidos que pretende ter o apoio, gerando as primeiras brigas entre os aliados. A seguir, define quantos e quais ministérios serão criados. E, num passo que parece nunca ter fim, começa a distribuir os cargos de segundo e terceiro escalão, seja de forma pontual para negociar votações no Congresso, seja para indicar colegas de partido ou técnicos que terão como tarefa controlar os ministros, em especial os que não pertencem ao partido majoritário, de acordo com a cartilha criada pelo núcleo forte do Executivo. Este modelo gera três conseqüências: uma frágil relação entre o que foi dito na campanha eleitoral e o que será feito por cada área governamental, a desarticulação entre os setores do Governo Federal e, o pior de todos os efeitos, uma desconfiança contínua entre as diversas partes deste quebra-cabeça, com destaque para os atores mais fisiológicos e os alijados do núcleo central do poder, os quais vão exigir sempre mais recursos e cargos para garantir o apoio congressual à coalizão. Um leitor desconfiando - e é bom que todos o sejam - pode criticar como ingênua a suposição de que seja possível montar a aliança para a campanha presidencial a partir de idéias, e não de mero desejo por tempo de TV, no momento eleitoral, e por cargos e verbas, na hora de governar. Cabe, contudo, notar dois elementos que talvez a classe política não esteja percebendo. Primeiro, a opinião pública condena cada vez mais o comportamento clientelista, segundo revelou recentemente uma pesquisa da Toledo e Associados.

PT e PSDB devem estabelecer agenda prévia

As vaias recebidas pelo deputado Severino Cavalcanti no comício Dia do Trabalho sinalizam que não é só o eleitor mais informado que rejeita o "severinismo". Ademais, em segundo lugar, vem crescendo a pressão social nas principais votações do Congresso Nacional, como revelou o caso da MP 232, de modo que os deputados e senadores têm hoje de responder mais à sociedade. Um governo com agenda bem definida e minimamente articulado com os anseios da população pode montar sua necessária base parlamentar aliada evitando ficar apenas nas barganhas de curto prazo. Para que não haja mal entendido, não se defende aqui um mandato presidencial que busca apoio social para enfraquecer o Legislativo. Propõe-se, ao contrário, um governo de partidos baseado numa agenda prévia, aprovada tanto no momento da constituição das alianças como principalmente pelas urnas. Em contraposição, poder-se-ia argumentar que, no cenário mais provável, nem mesmo a coalizão eleitoral vencedora terá maioria no Congresso Nacional brasileiro. Todavia, se no mínimo duas grandes legendas, geralmente com o apoio de outras pequenas, chegarem ao poder respaldadas por uma boa votação e com um projeto bem definido, há mais chances de atrair o restante dos congressistas necessários para se ter uma base situacionista sólida e mais orgânica. Infelizmente, os dois grandes pólos hegemônicos do sistema político brasileiro, PT e PSDB, estão trilhando um caminho diferente. Ninguém ignora que é bem difícil para os petistas garantir o apoio do PMDB, que é mais um condomínio de elites regionais do que um partido coerente. Além disso, com a pretensão de o PFL ter o seu candidato próprio, numa raia mais próxima do populismo de direita, os tucanos ficaram com menos alternativas para constituir uma coalizão eleitoral forte. Mas um aspecto essencial deve ser constatado pelo Governo Lula e pelo principal partido de oposição: mesmo que montem uma chapa com menos apoios e legendas menores, isto é melhor que fazer qualquer coisa para ter uma aliança que não é lastreada em idéias. Neste sentido, se for verdadeira a parceria entre FHC e Severino e caso o PT insista em lutar pela verticalização a todo custo, colocando em risco até a implementação do importante plebiscito sobre o desarmamento, de fato os dois maiores partidos, ao lutarem para ver quem consegue o apoio de mais forças políticas, continuarão sendo governadas pelo atraso, em vez de governá-lo.