Título: A regra de ouro do FMI para investimentos e as PPP
Autor: Paulo Augusto P. de Britto
Fonte: Valor Econômico, 09/05/2005, Opinião, p. A10

A escassez de recursos para investimento público, em especial na área de infra-estrutura, tem fomentado discussões sobre o ajuste fiscal em curso não só no Brasil, como em outros países. No final de fevereiro o Fundo Monetário Internacional (FMI) anunciou entendimento com o Brasil para a implementação de um programa piloto que permitirá a liberação de US$ 1 bilhão ao ano, até 2007, para investimentos públicos, com a exclusão destes dispêndios da aferição da meta de superávit primário. Entendimentos semelhantes estão a caminho com outros países emergentes. A "racionale" para a exclusão das despesas com investimento das metas de ajuste fiscal é baseada na observação de que investimento e despesas correntes são diferentes. Enquanto as últimas não possuem a capacidade de geração de receitas para o governo, os gastos com investimento possuem a capacidade de gerar retornos diretos ou indiretos ao governo. O retorno direto ocorre, por exemplo, via cobrança de tarifas dos usuários; o retorno indireto ocorre via maior receita tributária resultante de crescimento do produto nacional fomentado pela eliminação dos gargalos na infra-estrutura. Na prática, todavia, não existe diferença na classificação de um gasto público como despesa corrente ou investimento quando o regime fiscal é baseado em metas de superávit primário, tal como o adotado tanto no Brasil e em países emergentes, com programas patrocinados pelo FMI, quanto em países membros e ascendentes à União Européia sob o Pacto para Estabilidade de Crescimento (SGP). Nesse tipo de regime fiscal, a necessidade de geração de superávit induz a reduções dos gastos globais do governo e/ou elevações de suas receitas. Como tanto despesa corrente quanto investimento público são considerados no cômputo do superávit primário, ambos ficam sujeitos às restrições fiscais. Uma forma de se eliminar a pressão para redução do dispêndio em investimentos públicos e, ao mesmo tempo, manter o incentivo à redução das despesas correntes, consiste na adoção de uma meta fiscal que priorize o investimento. A chamada Regra de Ouro do Investimento possui essa propriedade, pois desconsidera esse tipo de despesa quando da apuração do resultado final do governo. Esse procedimento admite, portanto, que o governo somente contraia dívida para financiar investimentos. Após a manifestação em defesa de uma regra de ouro junto ao FMI, feita pelo presidente Fox durante a reunião do G-8 de 2003, vários países emergentes passaram a adotar o mesmo discurso. Antes mesmo desta manifestação, vários países membros da União Européia já vinham advogando a adoção da Regra de Ouro do Investimento como forma de liberar recursos para investimentos em suas economias, sendo notável a iniciativa inglesa em adotá-la.

Gasto público sustentável pressupõe elevado retorno social, única forma de garantir caixa para honrar dívida

Todavia, tanto a União Européia quanto o Fundo têm se mostrado cautelosos quanto à adoção de uma regra de ouro em substituição a uma meta de superávit primário. Essa cautela se deve às armadilhas que a acompanham. Em primeiro lugar, abre-se a possibilidade de uma contabilização criativa no governo, ao se tentar classificar como investimento público uma despesa que seja, de fato, corrente. Neste caso, o governo poderia contrair dívida para financiar o aumento do gasto corrente e a sustentabilidade da dívida pública ficaria comprometida pela ausência de receita futura capaz de financiá-la. Em segundo lugar, há a possibilidade de seleção política de projetos não justificáveis por apresentarem baixo retorno social. A taxa de retorno social pode ser definida como a taxa de retorno privada do projeto mais os ganhos sociais (ou externalidades) por ele gerados. Sob o ponto de vista da sustentabilidade da dívida pública, somente investimentos com taxas de retorno social elevadas devem ser realizados, de forma a garantir que seus fluxos de caixa serão suficientes para cobrir o serviço da dívida a ele associada. Ao se selecionar, por exemplo, um projeto com retorno nulo, o efeito sobre a sustentabilidade da dívida será semelhante ao de uma elevação dos gastos correntes do governo. Assim, para que uma regra de ouro do investimento seja efetiva na promoção da infra-estrutura e do crescimento econômico e, ainda assim, não comprometa a sustentabilidade da dívida do governo, faz-se necessária a adoção de mecanismos técnicos para a seleção dos investimentos mais rentáveis. Neste ponto, cabe ressaltar o papel das leis de parceria público-privadas (PPP). A aprovação de uma lei de PPP bem construída sinaliza ao Fundo, e ao mercado em geral, que os investimentos públicos serão rentáveis o suficiente para garantir a sustentabilidade da dívida pública. A lei brasileira, em particular, contém várias restrições à contratação de PPPs, mecanismos para acompanhamento e monitoramento dos projetos, bem como estabelece a criação de um órgão gestor cuja principal função é a de selecionar projetos prioritários. Pode-se esperar que a contratação de PPPs no Brasil não seja indiscriminada e, desta forma, que tanto o projeto selecionado apresentará taxa de retorno social suficientemente elevada, como o parceiro privado contratado será o mais apto para a sua execução. O atual programa-piloto do FMI com o Brasil e outro países emergentes consiste em um primeiro passo no sentido de se adotar uma regra de ouro do investimento. O programa-piloto permite a liberação de recursos orçamentários para obras da infra-estrutura e outras áreas com retornos elevados sob as óticas macroeconômica e fiscal, retirando as despesas daí decorrentes do cálculo da meta. Todavia, não é coincidência que somente agora o Fundo esteja dando esses passos. Isso somente está ocorrendo devido à aprovação de um marco institucional e de legislação específica que inibem a criatividade contábil e promovem a seleção criteriosa de projetos de investimento público com elevado retorno social.