Título: O grave risco cambial
Autor: Antonio Delfim Netto
Fonte: Valor Econômico, 09/05/2005, Brasil, p. A2

A subestimação do poder destrutivo sobre a economia privada e pública da taxa de câmbio, mantida artificialmente valorizada pela taxa de juro, é um equívoco monumental. Ela se agrava ainda mais quando a relação Dívida Líquida do Setor Público/PIB é importante. A análise "macro" da política econômica e seus "canais de transmissão" escondem os efeitos perversos e assimétricos da taxa de juro real na redução do consumo por classe etária e no adiamento dos investimentos nas empresas de diversas dimensões e de diversos setores. Em particular, a manutenção por muito tempo de uma política de juros extravagantes aumenta o custo do financiamento do país pela certeza que, "mais dia menos dia, a dívida pública não será servida". Por outro lado, ela discrimina os bancos menores, financiadores de empresas menores, mais suscetíveis às variações da oferta de crédito. Promove, assim, uma concentração da atividade econômica que nada tem a ver com o problema de ganhos de escala ou aumento da produtividade. O seu efeito mais perverso, entretanto, é na desmontagem lenta do aparelho exportador do país que vê sua participação no comércio mundial (e as suas oportunidades de crescimento) se dissiparem lentamente pela diminuição dos investimentos. O Brasil tem sido vítima desse processo desde 1986. No período 1980/84, exportávamos tanto quanto a Coréia e a China (em torno de US$ 22 bilhões anuais). Em vinte anos (1982-2002), nossas exportações cresceram ridículos 5% ao ano, contra 11% da Coréia e 15% da China! Em 2002, três anos após a desvalorização do Real imposta pelo mercado em 1999 (depois de acumularmos US$ 180 bilhões de déficit em conta-corrente), a exportação brasileira voltou à vida: expandindo-se 26% ao ano entre 2002-2004, contra 25% da Coréia e 35% da China. O estrago feito pela manipulação do câmbio no primeiro mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso foi monstruoso. No período de julho de 1994 a dezembro de 1998, a taxa de câmbio variou de R$ 1,0/dólar para R$ 1,21/dólar ou seja, 21%, enquanto o IPCA variou de 100 para 170, ou seja, 70%. A valorização foi sustentada por 4 anos de taxas de juros reais de mais de 20%, aumentando a dívida pública. Em 31 de dezembro de 2002, último dia do seu segundo mandato, FHC entregou para Lula: 1. um país que cresceu apenas 2,3% ao ano, ao longo de oito anos; 2. uma Dívida Líquida do Setor Público/PIB da ordem de 56%, quando a relação "virtuosa" é 30%;

O aparelho exportador está sendo desmontado

3. uma Dívida Externa Líquida/Exportação de Bens e Serviços de 3,0, quando a relação "virtuosa" é de 1,5 e 4. uma relação Amortização + Juros/Exportação de Bens e Serviços de 71%, quando a relação "virtuosa" é de 30%. No dia 31 de março de 2005 essas relações tinham sido reduzidas, respectivamente, para 51%, 1,6 e 45% graças ao esforço exportador e à aceleração do crescimento de 2004. Foi o aumento das exportações que reduziu a "armadilha externa" construída ao longo dos oito anos de FHC. Agora, infelizmente, voltamos a namorar com a valorização cambial como instrumento coadjuvante da redução da taxa de inflação. O que se obteve desde a brilhante vitória da política fiscal e monetária do governo Lula (entre janeiro, quando a inflação mensal anualizada andava em torno de 30% e maio de 2003, quando havia voltado ao nível anterior de 7,5%), produzida pela feroz elevação da taxa Selic para 26,5% e o corajoso superávit primário de 4,25% do PIB, foi apenas a estabilização da inflação. O efeito colateral continua a ser um enorme custo da dívida para o Tesouro Nacional. Olhando para os argumentos dos comentaristas "especializados" que garantem que o "câmbio não tem importância" na quantidade exportada ou importada, não se pode deixar de aceitar a hipótese que o Brasil tem um certo prazer em ser enganado. Quando alguém diz a meia verdade que o "efeito câmbio é amenizado pelo aumento dos preços externos em dólares, este, mesmo, conseqüência da desvalorização do dólar americano", esquece o "resto" da verdade: mostrar que, se isso é aceitável para os "básicos" e "semimanufaturados", é absolutamente falso para os "manufaturados" cujos preços externos cresceram menos de 10% entre abril de 2002 (quando o câmbio nominal estava em torno de R$ 2,5/dólar) e janeiro de 2005. No mesmo período, o IPCA, que é um indicador dos custos, cresceu 30%! Em 2004 os manufaturados representaram 56% do valor da exportações. O mesmo acontece quando se usa o diferencial de juro dos Adiantamentos de Câmbio e a Taxa Swap-DI-360 para compensar a taxa cambial, sem levar em conta o prazo das operações.