Título: Hegemonia do PT inquieta os aliados
Autor: Raymundo Costa
Fonte: Valor Econômico, 09/05/2005, Brasil, p. A2

O PT botou o guizo no gato. Após um recuo tático na reunião do campo majoritário, no Rio, a sigla voltou à carga para assumir o controle da coordenação política do governo. Desta vez, com artilharia pesada. "É razoável e conveniente", argumentou o ministro Luiz Gushiken. Na fracassada reforma ministerial de março, o porta-voz da pressão petista fora o secretário-geral Sílvio Pereira: "Estamos debaixo do telhado e está vazando água por tudo que é lado", disse, à época, declaração que levou o ministro Aldo Rebelo a colocar o cargo à disposição de Lula. A diferença, desta vez, é que o presidente dá a indicação de que vai se submeter à pressão partidária. É uma aposta de risco, independente do petista a ser nomeado para a função. O problema é justamente esse: a dicotomia PT-governo. Os aliados do presidente olham com desconfiança as pretensões de hegemonia do partido no poder, principalmente agora em que a sigla se acha num turbulento processo de eleição direta para a renovação de seu quadro dirigente, marcada para o próximo dia 18 de setembro. Um passeio pelo calvário de Aldo Rebelo ajuda a entender a situação. Em março, quando Sílvio Pereira dizia que o telhado tinha furos, Aldo pediu as contas. Lula fez um apelo para o ministro ficar no cargo. Disse que iria resolver a situação, demarcar os espaços da Coordenação Política com a Casa Civil e lhe dar os instrumentos para uma articulação eficiente com o Congresso. Contrariando conselhos de alguns amigos, Aldo acreditou que poderia reverter a situação, ficou e foi à luta. Para fechar os furos no telhado, em vez de soluções mirabolantes como uma reforma ministerial, Aldo propôs o atendimento de antigos compromissos do governo com os partidos, como a liberação de emendas e o atendimento das nomeações políticas. Só agora, em maio, a equipe econômica liberou o primeiro lote de emendas ao Orçamento. A concessão dos cargos - cujo controle continua na Casa Civil - esbarra no PT, que precisa deles para compor as tendências no processo de eleição direta dos novos dirigentes. Cada cargo potencializa uma candidatura nos Estados. E os planos do PT passam pela eleição de uma bancada maior e mais qualificada que a atual. Vários integrantes do segundo escalão já manifestaram interesse em concorrer a cargo eletivo em 2006.

Só a troca de ministro não resolve a coordenação

Coordenador político do governo Fernando Henrique Cardoso, o deputado Luiz Carlos Santos diz que a articulação de FHC funcionou enquanto o PSDB não levou a cabo projetos hegemônicos. O presidente da Câmara era do PFL, o do Senado, do PMDB, partidos que também dividiam as funções de líderes do governo nas duas Casas. Na época, Luiz Carlos Santos integrava a bancada na Câmara do PMDB. Atualmente, o PT detém a liderança do governo no Senado (Aloizio Mercadante) e da Câmara (Arlindo Chinaglia. A exceção é o senador Fernando Bezerra (PTB-RN), líder de Lula no Congresso. Segundo Luiz Carlos Santos, o esquema tucano foi bem enquanto o PSDB manteve a correlação de forças políticas. Quando o hoje governador Aécio Neves (MG) atropelou o PFL e se elegeu presidente da Câmara, "desmoronou tudo", diz o deputado. "Isso destrói a confiança e a coordenação política". Foi o início do rompimento da aliança PSDB-PFL de 1994 e 1998. No Planalto, Aldo é um corpo estranho ao PT. Em pelo menos três ocasiões bateu de frente com os interesses da sigla. A última delas foi na discussão sobre a verticalização das eleições, que o partido defendia mas cujo fim o ministro advogou junto a Lula. Antes disso, Aldo trabalhou para tirar o presidente do projeto da reeleição das Mesas da Câmara e do Senado, que dividia os partidos, mas atendia a Dirceu e ao então presidente da Câmara João Paulo Cunha (PT-SP). Coordenação política, como bem lembra o cientista político Murilo Aragão, não é uma questão de nome, é um processo no qual devem se envolver o presidente, os ministros e os líderes no Congresso. No último fim de semana, a sessão do Senado transcorreu sem nenhum líder governista no plenário, para deleite da oposição. Assim como na reunião de uma comissão técnica da Casa que, às traças, convocou o ministro José Dirceu (Casa Civil) para depor. Ou seja, só a troca do ministro não será suficiente para resolver o problema da desarticulação política. Será preciso mudar o método e o enfoque da coordenação.