Título: Quem ganha com a polarização?
Autor: Maria Cristina Fernandes
Fonte: Valor Econômico, 15/10/2004, Política, p. A-9

Dos 44 municípios do país que voltam às urnas neste segundo turno, há cinco onde está sendo jogado o futuro de um dos personagens-chave da sucessão presidencial de 2006. Duque de Caxias, Nova Iguaçu, São João de Meriti, Campos e Niterói somam quase 2 milhões de eleitores. Deles depende, em grande parte, a sorte de Anthony Garotinho. Na eleição presidencial de 2002, o atual secretário de Segurança do Rio alcançou 17,9% dos votos válidos. Junto com Ciro Gomes retirou do eixo PT-PSDB um terço dos votos nacionais. O PPS de Ciro Gomes fez 302 prefeitos no primeiro turno, praticamente o dobro do que elegeu em 2000. O resultado fortalece o presidente do partido, Roberto Freire, e pode acelerar a saída do ministro. Se está indefinido seu destino partidário, ou sua migração para a política fluminense, é mais provável que se mantenha longe da disputa presidencial. Já Garotinho permanece como a mais conhecida ameaça à propalada polarização entre petistas e tucanos. Esta é uma das explicações para os dois partidos terem montado uma frente inédita, cimentada pelo PFL de Cesar Maia e destinada a derrotá-lo no Estado. Para enfrentá-la, Garotinho já ameaçou manter a pão e água prefeitos não-alinhados, idealizou a espetacular renúncia de Moreira Franco em Niterói, e ressuscitou Jânio Quadros que, em 1985, disse que seu então adversário à Prefeitura de São Paulo, Fernando Henrique Cardoso, colocaria maconha na merenda escolar. Num comício em Nova Iguaçu, ao lado de cantores de música gospel, evocou uma oração para pedir a Deus que impedisse a eleição do petista Lindberg Farias, "defensor da legalização da maconha e do casamento homossexual" - "Falem isso na igreja, contem para papai e mamãe". Ainda no primeiro turno, instado a comentar pesquisas de Nova Iguaçu respondeu: "Não sou analista de pesquisas, sou candidato a presidente da República". Além de transpor a frente fluminense armada contra si, Garotinho ainda terá que arrumar um partido, provavelmente o PDT, agora órfão do brizolismo. Dificilmente o PMDB abandonará as hostes governistas para abrigar uma candidatura com discurso hostil ao governo federal e sem retumbante eficácia eleitoral . Garotinho elegeu quase metade dos prefeitos do Estado mas, dos oito municípios com mais de 200 mil eleitores, perdeu dois - entre os quais a capital - elegeu um e ainda peleja em outros cinco, incluindo Campos, seu berço eleitoral.

Em 2002, PDSB herdou mais votos da terceira via

Além das dificuldades de Garotinho, caciques regionais que em 2002 deram alento a candidaturas de terceira via, tiveram seu cacife minorado. Apesar de manterem posições no interior, Antonio Carlos Magalhães e José Sarney, simpáticos à candidatura Ciro Gomes em 2002, tiveram derrotas importantes nas suas capitais. Além de enfrentar um segundo turno pela primeira vez depois de dois mandatos sucessivos em Salvador, ACM assiste ao surgimento de uma frente de oposição mais forte do que aquela que, em 1992 colocou Lídice da Mata (PSB) no comando da capital. Já Sarney assistiu à derrocada do mito de que São Luís não elege o candidato apoiado pelo governo do Estado. Enquanto o governo esteve nas mãos de sua família e de seus aliados, foi isso o que aconteceu. Rompido com a família Sarney, o governador José Reinaldo saiu vitorioso com a reeleição do prefeito da capital. As dificuldades que parecem se apresentar a uma terceira via em 2006 não são necessariamente benéficas aos dois partidos que devem polarizar a disputa presidencial. Especialista em geografia eleitoral, o professor de Ciência Política da PUC do Rio, César Romero Jacob, constatou que, apesar do apoio explícito dos candidatos a Luiz Inácio Lula da Silva em 2002, a maioria dos seus votos não migrou para a candidatura petista. Se é verdade que a terceira via de 2002 tirou mais votos de José Serra que de Lula, é o presidente quem deve se preocupar se o espólio desta disputa municipal indicar que há pouca competitividade fora do eixo PT-PSDB. Pregação pela culatra A hipótese de um experiente analista de pesquisas para o cochilo dos institutos em relação ao avanço de Serra na reta final do primeiro turno é que, além do voto útil dos malufistas na zona central da cidade, o eleitor paulistano respondeu Marta e votou Serra para evitar a pregação. Os visitadores petistas, munidos de questionários, a exemplo dos pesquisadores de institutos, estiveram em um terço dos domicílios da cidade. Se o morador dissesse que votaria em Marta, ele deixava o material de campanha e ia pregar em outra freguesia. Se fosse eleitor de adversários, era bombardeado de perguntas sobre as razões de seu voto e de uma extensa lista de feitos da administração municipal. Depois da enxurrada de propaganda, ficou difícil distinguir visitador de pesquisador. A uma abordagem mercadológica, o eleitor deu uma resposta que qualquer consumidor bombardeado pelo telemarketing de cartões de crédito, telefonia e seguros, é capaz de compreender: mentiu.