Título: Argentinos nem esperam reunião para reclamar
Autor: Daniel Rittner
Fonte: Valor Econômico, 10/05/2005, Brasil, p. A6

Os empresários argentinos nem esperaram a reunião de cúpula entre os presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Néstor Kirchner, ontem à noite, para levar ao governo brasileiro a insatisfação com o estado do comércio entre os dois países. "Como está, o Mercosul não pode ficar", comentava, ontem à tarde, o presidente da União Industrial Argentina (UIA), Héctor Mendez. Em tom afável, sempre garantindo querer estimular a integração entre os dois países, os dirigentes da UIA foram categóricos, porém, nos encontros que tiveram ontem à tarde, com os ministros do Desenvolvimento, Luiz Fernando Furlan, e das Relações Exteriores, Celso Amorim: querem alguma medida para deter o aumento do superávit brasileiro em relação à Argentina e dar alguma proteção a indústria do país vizinho. O Brasil apóia iniciativas para a indústria argentina, como a possível criação de linhas de financiamento à indústria local, aproveitando recursos orçamentários existentes, entre eles os impostos de exportação cobrados pelo governo vizinho, disseram Furlan e sua equipe aos empresários. O governo brasileiro deixou claro, porém, ser contrário à criação de salvaguardas - barreiras comerciais automáticas - a serem impostas no caso de aumento das exportações brasileiras. O secretário-executivo de Furlan, Márcio Fortes, prometeu discutir as demandas em detalhes durante a visita que fará a Buenos Aires, na semana que vem, para avaliar os atritos comerciais entre os dois países. O ministro Celso Amorim, tentou minimizar as reclamações dos empresários argentinos. O chanceler disse estar "totalmente aberto" e "com espírito de fraternidade" para discutir o relacionamento comercial com o país vizinho. "Só vamos conseguir resolver as dificuldades quando entendermos que temos de tratar os problemas do Mercosul como nossos problemas", afirmou. "Temos de encontrar uma política industrial comum para fortalecer nossa base de pesquisa e desenvolvimento, para que o produto Mercosul possa concorrer no mundo." O secretário da UIA, José Ignácio Mendiguren, ministro da Produção argentino no governo Eduardo Duhalde (2002), disse que, na prática, os empresários argentinos querem uma resposta positiva a demandas apresentadas, no início do ano, ao governo brasileiro pelo ministro da Economia da Argentina, Roberto Lavagna. Uma de suas propostas foi a reivindicação de um mecanismo de salvaguardas automáticas para o Mercosul e a criação de um "código de conduta" capaz de impedir a migração de investimentos de um país para o outro, como aconteceu recentemente com a americana Whirlpool, que transferiu suas instalações da Argentina para o Brasil. Um importante dirigente da UIA comentou para o Valor que os empresários sabem ser impossível atender à demanda do "código de conduta" (o Brasil propôs regras mais genéricas, de transparência e ética, adotadas pela organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico, OCDE). Mas como defenderam enfaticamente Mendiguren e Héctor Mendez, os argentinos necessitam de algum mecanismo de proteção, enquanto o país não recupera seus instrumentos de apoio à indústria, desmontados pelos governos passados. "O Tratado de Assunção, que criou o Mercosul, previa a harmonização das políticas macroeconômicas", lembrou Mendiguren. A reunião entre os presidentes Kirchner e Lula contou ainda com a presença do presidente venezuelano Hugo Chávez, que, antes do jantar no Palácio do Planalto informou que os três discutiriam a integração da América do Sul, inclusive a criação da Petro América e do Banco do Desenvolvimento do Sul. Chávez afirmou que iria propor a criação do Fundo Social da América do Sul, com recursos para combater a miséria e a fome.