Título: América do Sul quer atrair petrodólares
Autor: Daniel Rittner
Fonte: Valor Econômico, 10/05/2005, Brasil, p. A6

Com o vigoroso crescimento das exportações ameaçado pelo fantasma de "apagões" logísticos, os países sul-americanos querem aproveitar a cúpula desta semana para atrair investimentos árabes em infra-estrutura na região. O objetivo é abocanhar pelo menos uma pequena parte dos petrodólares que hoje têm aplicações financeiras como destino. No caso específico do Brasil, um dos principais interesses é mostrar às nações mais ricas do Oriente Médio oportunidades de negócios com a aprovação das Parcerias Público-Privadas (PPPs). Os países da América do Sul pretendem convencer os árabes que, no longo prazo, investimentos em infra-estrutura podem tornar-se tão ou mais rentáveis que aplicações no mercado financeiro internacional. Para isso, no entanto, representantes dos próprios governos reconhecem o óbvio: para parceiros tão distantes geograficamente e ainda pouco conhecidos, um dos grandes desafios será provar que as seguidas crises políticas e econômicas da região não colocarão em risco os recursos investidos. "Estamos conscientes de que as nossas crises fazem muitas partes do mundo nos olharem com dúvidas. Mas precisamos mostrar que sabemos respeitar as regras do jogo e temos um compromisso cada vez mais sólido com a estabilidade", afirma Raúl Silvero Silvagni, diretor-geral de comércio exterior da chancelaria paraguaia. "Queremos mostrar aos árabes que eles podem colher excelentes resultados no longo prazo." O Paraguai, esclarece Silvero, precisa de investimentos na expansão de sua infra-estrutura para não prejudicar o escoamento das exportações. Impulsionados pelos preços da carne e pela produção de soja, os embarques ao exterior cresceram 30% no ano passado e seguem tendência semelhante em 2005, apesar do déficit comercial de US$ 700 milhões. Para afastar qualquer risco de apagão logístico, o país vizinho busca investimentos estrangeiros na construção de terminais aeroportuários de carga e na hidrovia Paraná-Paraguai. O fluxo de cargas transportadas pela corredor fluvial subiu de apenas 500 mil toneladas, 15 anos atrás, para 12 milhões de toneladas atualmente. A expectativa do governo paraguaio é que esse número dobre nos próximos cinco anos. "Isso exige a aplicação de recursos em embarcações e instalações portuárias", diz Silvero. O embaixador Mário Vilalva, diretor do departamento de promoção comercial do Itamaraty, acredita que os árabes podem ser uma boa alternativa - ou complemento - aos chineses na busca por recursos para as PPPs. No mês passado, acompanhado de funcionários da cúpula do Banco do Brasil, o diplomata fez um giro por bancos e instituições financeiras do Oriente Médio, como o Saudi Arabia American Bank. Vilalva voltou convencido que parte dos petrodólares hoje investidos em títulos e instrumentos financeiros, principalmente via mercado londrino, pode ter a infra-estrutura sul-americana como destino. "Esse certamente será um dos temas nas nossas conversas durante a cúpula", informa o embaixador. Também o Chile quer tirar proveito da aproximação econômica. O consultor Carlos Dettleff, representante do Comitê de Investimentos Estrangeiros do governo chileno, lembra que a maioria dos portos, rodovias e aeroportos do país foi entregue à iniciativa privada, mas o programa nacional de concessões ainda prevê licitações de US$ 1,44 bilhão até o fim de 2005. Entre os grandes projetos estudados está o quinto trecho da Ferrovia Transandina, desativada nos anos 70, que liga as cidades de Valparaíso (Chile) e Mendoza (Argentina). Provavelmente a economia mais aberta e com instituições mais estáveis da região, o Chile não esconde essas armas na tentativa de atrair negócios. "As agências de classificação de risco nos dão notas muito positivas e os tratados de livre comércio servem como uma garantia de estabilidade", argumenta Dettleff. O país andino é o único na América do Sul que atingiu a categoria de "investment grade", ou seja, os investimentos são considerados seguros por causa dos baixos riscos de moratória, segundo as agências. O mútuo desconhecimento entre árabes e sul-americanos não deixa de ser um obstáculo, mas o interesse em aprofundar contatos é grande. "A América do Sul é um mercado potencial muito grande", afirma Saleh Al-Addad, gerente do departamento de informação e marketing do Fundo Saudita para o Desenvolvimento. "Reconhecemos as dificuldades existentes, mas não podemos generalizar e dizer que toda a região é instável" , observa o executivo árabe. Ao longo da semana, negociadores do Mercosul e do Conselho de Cooperação do Golfo (formado por seis países do Oriente Médio, incluindo Arábia Saudita) acertarão os detalhes finais do acordo-quadro entre os dois blocos, que permitirá a abertura de discussões sobre produtos a serem beneficiados por queda mútua das tarifas de importação.