Título: Nova vitória na guerra contra o protecionismo
Autor: Luiz Albuquerque
Fonte: Valor Econômico, 10/05/2005, Política, p. A12

A Organização Mundial do Comércio (OMC) condenou o Regulamento nº 2081/92 da União Européia que regula, dentre outras questões, a proteção das Indicações Geográficas para produtos agrícolas. No relatório de 175 páginas, o "Painel" acolheu as principais reclamações dos EUA e Austrália, que capitanearam as insatisfações de 12 países interessados, dentre os quais Brasil, China e Índia. As chamadas "Indicações Geográficas" consistem em nomes que identificam um produto como originário de um certo país, quando determinada qualidade, reputação ou outra característica típica deste produto é essencialmente atribuída à sua origem geográfica. O exemplo clássico é o do champagne. Esta modalidade de vinho espumante só pode usar o nome "champagne" se for produzido numa certa região da França. É também o caso de muitos outros vinhos, queijos (como o roquefort) e destilados (scotch). A União Européia, percebendo o valor comercial destes nomes e maneira pela qual seus produtores estariam perdendo mercado para "concorrentes desleais", lançou uma forte campanha internacional e uma profunda regulamentação interna com o intuito de garantir a exclusividade do uso destes nomes pelos seus produtores históricos. Por trás do discurso das Indicações Geográficas verifica-se, por exemplo, o argumento segundo o qual o "verdadeiro" scotch seria apenas aquele feito com água escocesa, malte escocês e tecnologia escocesa. E conseqüentemente, aqueles whiskys que não preenchem essas características não podem se valer do nome "scotch", pois estariam pegando carona no sucesso comercial do produto e concorrendo com os seus produtores originais. De fato, esta é uma preocupação legítima, não apenas da União Européia, mas também de muitos outros países, como o Brasil com a cachaça e o México com a tequila. E em virtude disso, este tema já foi regulamentado pelo direito da OMC. O Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio (TRIPs) prevê em seus Artigos 22 e 23 a proteção das Indicações Geográficas. Esta proteção se dá através do compromisso dos países-membros de impedirem a utilização de um nome que indique ou sugira que um dado produto provenha de uma área geográfica distinta do seu verdadeiro local de origem, de uma maneira que conduza o público a erro quanto à origem do produto. Nesse sentido, a União Européia criou um complexo mecanismo pelo qual ela protege as Indicações Geográficas originárias da Europa, mas condiciona a proteção de Indicações de outros países ao cumprimento de certos requisitos de equivalência e reciprocidade. Estes requisitos podem ser atendidos através de acordos bilaterais ou pela comprovação de que o país adota um sistema de proteção de Indicações tão sofisticado quanto o do modelo europeu. Ou seja, este regulamento prevê a proteção das Indicações Geográficas européias, mas só protegeria as estrangeiras se seus países preenchessem certos requisitos de eqüidade e reciprocidade. Enquanto na União Européia os seus nacionais gozam de direitos relativos à proteção das Indicações, no resto do mundo os produtores não detém mecanismos legais pelos quais eles possam exigir de seus governos o cumprimento das exigências do regulamento europeu. Isso cria uma desigualdade de fato e de direito entre os europeus e estrangeiros.

Indicações Geográficas são vistas como uma denominação de certa modalidade de produto e não de uma origem

Por isso a OMC entendeu que este regulamento fere o Princípio do Tratamento Nacional, na medida em que concede aos produtores não-europeus um tratamento menos favorável do que o concedido aos europeus. Este tipo de discriminação é proibido pelo direito da OMC e por isso a União Européia foi condenada. Como ainda cabe apelação, esta questão ainda não está totalmente definida. De qualquer maneira, é mais uma vitória contra certas pretensões protecionistas nesse novo campo de batalha comercial. Mas ainda há muitas divergências sobre a questão das Indicações Geográficas. Um dos principais problemas relativos a esta questão se refere ao fato de que muitos consumidores ao redor do mundo parecem entender estas categorias (Indicações Geográficas) não como indicação da origem geográfica de um produto, e sim como um termo genérico que denomina uma modalidade específica de um produto que tem certas características bioquímicas que os diferenciam das outras modalidades. Assim, quando o consumidor compra um queijo cheddar ou um presunto parma, via de regra ele não está preocupado em saber se a origem dos produtos é de fato a Inglaterra e a Itália, respectivamente. O seu interesse como consumidor é saber se o queijo e o presunto que ele está comprando efetivamente têm aquelas características de sabor, odor e consistência que ele entende serem peculiares àqueles produtos. Ademais, poucas pessoas realmente sabem qual a origem dos produtos, quem os come e bebe, muito menos quais são as características particulares do produtos originais que os tornam diferentes das suas imitações. Por isso sempre vai haver conflito de interesses entre os chamados "produtores originais" que querem a exclusividade do uso do nome, e os demais produtores que querem se valer da denominação, não enquanto indicação geográfica e sim como denominação das qualidades e características típicas do produto. O texto do Acordo TRIPs parece ser concebido na perspectiva do consumidor, enquanto um mecanismo que evite com que ele seja levado a erro. Assim, o que deveria ser considerado é o que uma Indicação Geográfica realmente significa no mercado consumidor em análise e não no país onde ela tem origem. Por isso, se no Brasil o consumidor achar que "champagne" significa um tipo de vinho e não uma indicação de lugar, um produtor nacional que usar este nome não vai estar querendo enganar o consumidor como se o produto fosse da França. Ele apenas deseja indicar que esta bebida se trata daquele tipo de vinho. Neste sentido, o argumento da proteção das Indicações Geográficas deve ser devidamente contextualizado para que não seja utilizado como mais um discurso protecionista.