Título: Brasileiro comanda pesquisa na Microsoft
Autor: João Luiz Rosa
Fonte: Valor Econômico, 10/05/2005, Empresas &, p. B3

Em seu dia-a-dia, Henrique Malvar gasta boa parte do tempo conversando com os subordinados. Mas em vez de temas como receita e lucro - que fazem parte do cotidiano de qualquer empresa -, ele discute, em nível técnico, como a tecnologia da informação pode ajudar a criar uma vacina para a Aids ou identificar rostos em fotografias e videoconferências. E isso é só uma parte de seu trabalho. Malvar é um dos principais cientistas da Microsoft no mundo. Doutor em engenharia elétrica pelo Massachusetts Institute of Technology (MIT) - um dos principais celeiros globais de talentos na área tecnológica - ele coordena 13 dos 25 grupos que a Microsoft Research, braço de pesquisa da companhia, mantém em Redmond, no estado de Washington, onde fica seu quartel-general. No mundo, a Microsoft mantém cerca de 60 grupos de pesquisa. Os demais estão em Cambridge e San Francisco, Beijing (na China) e, mais recentemente, em Bangalore (Índia). Nos EUA, porém, ninguém na corporação tem tantos pesquisadores sob comando. A equipe de Malvar reúne pouco 150 cientistas, a maioria com trabalhos publicados. "Meu trabalho é gerenciar os pesquisadores", diz Malvar ou Rico, como ele é conhecido na Microsoft. "A maioria das idéias vem dos próprios cientistas, que são especialistas em suas áreas." Foram suas idéias, aliás, que levaram o brasileiro até a Microsoft. Era 1997 e Malvar, então vice-presidente da PictureTel, uma empresa de videoconferência, enviou uma mensagem para Nathan Mhyrvold, então o homem forte de pesquisa na Microsoft. O e-mail seguiu em um domingo. Logo na segunda-feira veio a resposta. Mhyrvold, hoje aposentado, convidou Malvar para conhecer a sede da Microsoft e detalhar suas propostas. Ele deixou Boston, onde morava, e seguiu para Redmond, onde sugeriu que a Microsoft criasse um grupo específico para a pesquisa de processamento de sinais, uma tecnologia fundamental para a transmissão de som e imagem pela web. A companhia não só acatou a recomendação como atribuiu a Malvar a tarefa de iniciar o grupo. Foi da cabeça de Malvar que saíram as primeiras definições sobre o Windows Media Audio, com o qual a Microsoft concorre com formatos rivais na transmissão digital de música, como o MP3. Na época, Malvar já achava que a troca de música via web se tornaria uma indústria, mas considerava as tecnologias disponíveis insuficientes para transformar o movimento em negócio. Um dos pontos fracos era a falta de proteção aos direitos autorais, algo que o Windows Media Audio passou a levar em consideração. Hoje, a tecnologia é padrão em vários "tocadores" digitais de música e serve de base para varejistas como a Wal-Mart vender download de música. Ajustar a pesquisa científica ao desenvolvimento de produtos, aliás, requer permanentemente a atenção de Malvar. "Não podemos fazer pesquisa e jogar o resultado por cima do muro para o pessoal de produto", ele diz. "A evolução é bilateral." Isso não significa, porém, que toda pesquisa tenha de ir para a prateleira imediatamente. A divisão de pesquisa tem um orçamento independente da área de desenvolvimento de produtos e está atrelada diretamente ao co-fundador Bill Gates. "Se 90% da pesquisa é incorporada a um produto é porque o pesquisador não está pensando no futuro", afirma. "O ideal é que 40% da pesquisa, no máximo, vire produto." Entre os trabalhos em andamento estão projetos que incluem a identificação de padrões do vírus da Aids - com o objetivo de ajudar na criação de uma vacina - e um sistema de busca capaz de mostrar ao usuário tudo que está disponível sobre o assunto na máquina, sem que ele tenha sequer de digitar uma palavra-chave. É a chamada "busca implícita". Na caça a talentos, Malvar acaba de estender à América Latina o programa de estagiários da Microsoft Research. Das quatro vagas disponíveis para a região, duas foram preenchidas por brasileiros. Ao todo, o programa reúne 200 estudantes de pós-graduação em Redmond. Além disso, há cinco pesquisadores brasileiros que superaram concorrentes estrangeiros para desenvolver, no país, projetos financiados pela empresa. Quem sabe, no futuro Malvar reconheça talentos dentro de casa. "Meu filho já pensou em ser médico e advogado, mas agora considera a hipótese de ir para tecnologia. Pode virar 'nerd', como eu", brinca.