Título: Petróleo enfrenta fase mais instável da sua história
Autor: The Economist
Fonte: Valor Econômico, 10/05/2005, Empresas &, p. B10

"O tempo em que podíamos contar com o petróleo e mesmo gás natural barato está seguramente chegando ao fim." Esta foi a previsão sombria feita em fevereiro por Dave O´Reilly, presidente do conselho de administração da Chevron Texaco, diante de centenas de executivos do setor reunidos em uma conferência em Houston. Um mês depois, o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, repetiu o sentimento: "O mundo deveria esquecer o petróleo barato". A alta dos preços do petróleo, de US$ 10 o barril em 1998 para mais de US$ 50 em 2005, desencadeou discussões sobre uma nova era de preços mais altos e sustentados. Mas sempre que uma "nova era" do petróleo é alardeada, o ceticismo é a regra. Afinal, esse é um negócio cíclico, no qual os preços normalmente sobem e descem. Mesmo assim, um coro incomumente alto está se juntando a O´Reilly e Chávez, apontando para evidências intrigantes de um novo "piso nos preços" de US$ 30 ou talvez US$ 40 o barril. Entretanto, há também sinais desconcertantes de que os altos preços podem estar sendo provocados por uma bolha especulativa que poderá estourar de uma hora para outra. Para saber qual dos dois lados está certo, duas perguntas precisam ser respondidas. Por que os preços do petróleo dispararam? O que poderá mantê-los elevados? Para complicar ainda mais as coisas, não há na verdade um "preço do petróleo" único, e sim dezenas de variedades de petróleo bruto sendo negociadas a preços diferentes. Quando os jornais mencionam os preços do petróleo, eles normalmente se referem a um dos dois tipos usados como referência: o Brent do Mar do Norte ou o West Texas Intermediate (WTI). Mas quando os ministros da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep) discutem os preços, eles normalmente se referem a uma cesta de óleos brutos mais pesados do cartel, que é negociada com um desconto em relação ao WTI e ao Brent. Todos os preços do petróleo mencionados neste artigo são do WTI, por barril. A recente volatilidade dos preços é apenas um dos vários desafios que a indústria do petróleo enfrenta. Embora à primeira vista as grandes petrolíferas pareçam estar muito bem de saúde, registrando lucros recordes, este estudo vai argumentar que as grandes companhias ocidentais terão de interromper seu trabalho para lidarem com o aumento do nacionalismo dos recursos, que ameaça interromper o acesso a novas reservas. Mas voltemos à pergunta do por que da disparada dos preços do petróleo. A explicação mais simples é que os mercados de petróleo estão passando por uma combinação sem precedentes de oferta apertada, aumento da demanda e especulação financeira. Um dos fatores do lado da oferta é a hábil manipulação da Opep de suas cotas de produção. Em 1997, em uma reunião em Jacarta, o cartel decidiu aumentar a produção justo quando as economias do sudeste da Ásia eram atingidas por crises, o que levou os preços a caírem para US$ 10. Desesperada para conseguir uma reação dos preços, a Arábia Saudita se voltou para o nível dos estoques: sempre que os estoques de petróleo dos países ricos da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) começassem a subir, a Opep iria reduzir as cotas de produção para impedir uma queda dos preços. Funcionou como um feitiço. Outro fator relacionado à oferta tem sido a falta de gasolina no mercado americano. Ao longo dos últimos dois anos, os preços deram um repique, uma vez que as refinarias não têm conseguido dar conta do aumento da demanda local. Preocupações com a oferta também vem tendo um papel no chamado ágio do medo. A estressante incerteza antes da invasão do Iraque, e os terríveis atentados terroristas no Iraque e na Arábia Saudita ocorridos depois, levaram os preços a um nível mais alto do que os fundamentos justificam. Há quem afirme que o ágio do medo pode ter acrescentado de US$ 7 a US$ 15 ao custo do petróleo nos mercados futuros de Nova York e Londres. Contribuindo para levantar poeira está a súbita entrada de novos tipos de investidores financeiros no mercado do petróleo. Alguns estão apenas em busca dos enormes retornos oferecidos recentemente pela commodity. Grandes fundos de ações, temendo o que o preço do petróleo a US$ 100 poderia fazer com suas posições, podem investir no mercado futuro a US$ 40 ou US$ 50 como uma apólice de seguro barata. Os ministros da Opep adoram culpar os fundos de hedge pelos altos preços, mas eles estão apenas parcialmente corretos. As posições compradas líquidas (isto é, as apostas especulativas em preços mais altos) mantidas por esses fundos atingiram um pico em março de 2004 e caíram ao longo do ano, mas os preços continuaram subindo mesmo assim. Phil Verleger, um economista especializado em energia associado ao Institute for International Economics de Washington, avalia que o próprio cartel pode ser culpado pela especulação: ao declarar sua intenção de elevar os preços, primeiro para US$ 30 e agora para US$ 40, "a Opep deu de graça a Wall Street uma opção de venda" (porque os investidores acreditam que o cartel vai reduzir a produção para impedir a queda dos preços). As limitações de oferta coincidiram com uma grande explosão na demanda pelo petróleo. O consumo mundial aumentou 3,4% no ano passado, ao invés dos usuais 1% a 2%. Quase um terço desse crescimento teve origem na China, onde o consumo de petróleo pode ter crescido até 16%.

O que é novo, e que desmontou o mercado, é a falta de capacidade sobressalente de produção de petróleo

Um graduado executivo europeu do setor de petróleo afirma que, ao contrário dos embargos e dos aumentos de preços motivados pela oferta do passado, "este é o primeiro choque do petróleo liderado pela demanda". E não foi só a China que usou muito mais petróleo. O consumo da Índia também deu um salto no ano passado e o dos Estados Unidos esteve bem vigoroso. Na verdade, apesar do petróleo a US$ 50, a demanda mundial em 2004 cresceu no ritmo mais rápido em mais de 25 anos. A economia mundial também cresceu em um ritmo acelerado. Isso pareceu desafiar a impressão geral de que preços do petróleo altos derrubam a demanda, e levou à dúvida de se os preços do petróleo têm ainda alguma importância. Portanto, foi a oferta ou a demanda que levou os preços acima dos US$ 50? As duas têm importância, é claro, mas nenhuma fornece uma explicação completa. O que é novo, e que desmontou o mercado, é a falta de capacidade sobressalente de produção. Em um mercado de commodities normal, nenhum produtor em sã consciência manteria muita capacidade inativa. Mas é exatamente isso o que vários países da Opep vêm fazendo com seus poços de petróleo há anos. A Arábia Saudita, em particular, vem mantendo uma proteção generosa que ela acostumou usar para impedir o mercado de superaquecer durante interrupções do fornecimento. Essa proteção vital, afirma Robin West, da consultoria PFC Energy, ajuda a Arábia Saudita a agir com o "banco central do petróleo". Aliás, a proteção está em declínio há alguns anos porque a Opep não vem investindo o suficiente para acompanhar o ritmo de crescimento da demanda. Como resultado, a capacidade sobressalente mundial caiu no ano passado para cerca de 1 milhão de barris por dia, perto do nível mais baixo em 20 anos. Quase toda essa capacidade estava na Arábia Saudita. Em resumo, o mercado da mais importante commodity do mundo agora está sem rede de segurança, por assim dizer. Num mercado tão apertado, diz Edward Morse, da Hetco, uma companhia que negocia energia, até mesmo mudanças relativamente pequenas na oferta e na demanda podem se transformar em nervosos repiques nos preços. Mais preocupante, segundo acredita Morse, é que o problema se estende além da capacidade sobressalente de produção. Ele aponta para a rigidez dos mercados de equipamentos de exploração de petróleo, navios petroleiros, engenheiros, capacidade de refino e vários outros elos da corrente de valor da commodity, e conclui que o problema é sistêmico: "A ilusão de que o petróleo está em um excesso de oferta perene levou a duas décadas de investimentos insuficientes. O mundo vem vivendo do legado da capacidade sobressalente formada muitos anos atrás". Dados os altos preços atuais, certamente o mercado vai proporcionar a infra-estrutura necessária, não? Provavelmente não, por duas razões. A primeira é que o mundo parece estar lidando bem melhor com os preços elevados, de modo que talvez esses preços tenham que persistir por mais tempo ou subirem mais antes que os investidores resolvam partir para a ação. O segundo motivo é a lembrança do petróleo a US$ 10 o barril. Os países da Opep não correrão para formar muita capacidade sobressalente porque temem novo colapso nos preços. A PFC Energy lembra que quando o preço do petróleo bateu nos US$ 55 no fim do ano passado, a capacidade sobressalente era de menos de 15% do pico de 8,7 milhões de barris/dia alcançado em 1985, e observa: "Os interesses nacionais da Opep não estão na criação de uma grande capacidade sobressalente, que existiu na maior parte da história do petróleo." As companhias petrolíferas ocidentais estão ainda mais apavoradas com a possibilidade de um novo colapso dos preços e estão mantendo rédea curta nos gastos de capital. Projetos são normalmente testados para uma lucratividade de US$ 20 por barril ou menos. Mesmo assim, o aperto poderá diminuir se os sauditas reconstruírem sua proteção. Pode ser interesse deles fazer isso. Para a maioria dos países da Opep faz sentido tentar maximizar os preços no curto prazo porque suas reservas de petróleo estão relativamente baixas. Os sauditas, por outro lado, estão sentados sobre pelo menos 260 bilhões de barris de petróleo em reservas comprovadas, bem mais que as reservas da Líbia, Venezuela, Indonésia e Nigéria juntas. Mesmo aos níveis atuais de produção, de cerca de 10 milhões de barris/dia, o que os torna os maiores exportadores do mundo, os sauditas possuem petróleo para bombear pela maior parte deste século. Eles não vão querer os preços muito altos por muito tempo, caso contrário os investidores irão transferir seu dinheiro para o petróleo não produzido pela Opep ou para combustíveis alternativos.

Um atentado terrorista pode levar o preço para US$ 100; um crash do mercado financeiro pode derrubar para US$ 10

Os governantes da Arábia Saudita também se lembram das lições dos choques do petróleo na década de 70, quando os maiores perdedores não foram as economias consumidoras (que acabaram se adaptando aos preços), e sim as economias da Opep. Ali Naimi, o ministro do Petróleo da Arábia Saudita, rejeita a idéia de que seu país quer que os preços subam mais: "Estamos sendo mal entendidos: nós prosperamos com o crescimento econômico dos outros, o que é concomitante com a demanda por energia". De fato, na mais recente reunião formal da Opep, realizada em 16 de março no Irã, os sauditas ameaçaram membros relutantes do cartel para tentar acalmar e reduzir os preços. Eles conseguiram fechar um acordo para um aumento das cotas de produção e dos estoques mundiais, que pareceu um reverso da política estabelecida pelo cartel de manter os estoques da Opep apertados e os preços altos. Acontecimentos dentro da Arábia Saudita parecem confirmar que a proteção está sendo reforçada. A Saudi Aramco, a estatal saudita do petróleo (e maior petrolífera do mundo), lançou seu maior programa de expansão em muitos anos. Mas mesmo que a Arábia Saudita esteja disposta a restabelecer uma proteção adequada, isso poderá levar anos. Os preços permanecerão altos até quando? Na maior parte das décadas de 80 e 90, o mundo se beneficiou de preços baixos e estáveis, entre US$ 20 e US$ 30 o barril. Agora os preços do petróleo passaram para o dobro desse nível, aparentemente sem provocar muitos estragos. Os ministros da Opep e analistas de Wall Street falam de um novo "paradigma de preço". À primeira vista, parece haver uma certa verdade nisso. No passado, os contratos de petróleo bruto para entrega meses ou anos adiante normalmente permaneciam baixos e estáveis mesmo que os preços no mercado à vista tivessem uma alta por causa de alguma interrupção de fornecimento no curto prazo. Mas nos últimos dois anos os futuros distantes também vêm subindo. Os mercados apostam que os preços mais altos chegaram para ficar. Cientistas políticos acreditam que a maior parte dos países da Opep vai exigir preços mais altos para equilibrar seus orçamentos e evitar inquietações sociais. Alguns analistas do setor vêem um novo "piso" de US$ 30 ou US$ 40 no preço, mesmo que apenas para convencer as companhias de petróleo a gastarem bastante dinheiro com os investimentos necessários para a produção. Matt Simmons, um destacado banqueiro de investimento especializado no setor de energia, acredita que em vista do aumento dos custos dos equipamentos de exploração, oleodutos, navios petroleiros e assim por diante, o preço do petróleo "precisa subir bem". Mas parte disso pode ser apenas um pensamento positivo. Na verdade, as companhias de petróleo têm pouco controle sobre os preços. Os ministros da Opep estão melhor colocados, mas mesmo eles não podem controlar com confiabilidade o mercado. Naimi está argumentando pela moderação quando diz que estabelecer um preço justo para o petróleo é "um alvo móvel: ele precisa ser confortável tanto para os consumidores quanto para os produtores, e num nível em que os investidores irão querer aplicar seu dinheiro para que o setor cresça". Mas é bem possível que os preços possam cair mais do que Naimi gostaria. Um dos fatores é a fraqueza potencial da demanda. Fala-se muito do potencial da demanda chinesa mudar todas as regras, mas isso claramente não é certo. A participação da China no consumo mundial de petróleo está abaixo de 8%, bem menor que a fatia dos Estados Unidos (25%). O banco de investimento Goldman Sachs estima que mesmo assumindo-se um forte crescimento, a China continuará sendo um consumidor de petróleo menor que os EUA durante décadas. No lado da oferta, as coisas também poderão piorar. Julian West, da consultoria CERA, compilou uma lista de todos os projetos petrolíferos, liderados por companhias estatais e privadas, que deverão estar produzindo nos próximos anos. Ele calcula que esse "rio de oferta" poderá levar a um crescimento líquido da produção mundial, com 2007 talvez registrando o maior aumento da capacidade de produção da história. Em 2010 isso poderá acrescentar 13 milhões de barris por dia ao total de 2004, de 83 milhões de barris/dia. Nem todo mundo concorda com essa avaliação e o próprio West alerta que a geopolítica poderá afetar essa oferta pendente mas, caso contrário, "o problema da oferta em dois a quatro anos será de excesso de petróleo". Os mercados financeiros oferecem outra possível rota para uma queda acentuada nos preços do petróleo. Os fundos de pensão despejaram bilhões de dólares em investimentos securitizados em petróleo, na esperança de obter retornos maiores dos que eles podem conseguir em mercados de ações anêmicos. Como os retornos inevitavelmente caem com o tempo, os fundos poderão dar meia volta e provocar um colapso dos preços. Um atentado terrorista à infra-estrutura petrolífera da Arábia Saudita poderia fazer o preço ultrapassar os US$ 100; um crash do mercado financeiro poderia derrubar para menos de US$ 10. Essa incerteza cria problemas enormes para as grandes petrolíferas ocidentais. Elas nunca foram muito amadas, mas desde a ascensão da Opep nos anos 70, essas empresas vêm sendo na verdade as melhores amigas dos consumidores. Isso porque o sucesso que elas tiveram no desenvolvimento da exploração de petróleo fora da Opep restringiu o poder do cartel. Portanto, é preocupante que a saúde econômica dessas empresas não seja tão robusta quanto parece. (Tradução de Mário Zamarian)