Título: Discursos se dividem entre política e comércio
Autor: Sergio Leo
Fonte: Valor Econômico, 11/05/2005, Brasil, p. A2

Discursos políticos, por parte dos árabes, e voltados para questões econômicas, por parte dos sul-americanos, marcaram a Cúpula Países Árabes-América do Sul, ontem em Brasília. "Vamos identificar oportunidades de comércio e investimentos que permitam a nossos países explorar as possibilidades da economia global", propôs o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que definiu a reunião como "ousada" e "ambiciosa". "Não estamos reunidos apenas em busca de vantagens econômicas e comerciais", discursou o presidente, que evitou falar de improviso. "Defendemos a democratização dos organismos internacionais para que a voz dos países em desenvolvimento seja ouvida", disse. Ele explicou que seu objetivo é buscar "um comércio justo e equilibrado, livre de subsídios impostos pelos países ricos e que assegure aos países pobres os benefícios da globalização". O discurso de Lula teve eco no do presidente do Peru, Alejandro Toledo, que preside a recém-criada Comunidade Sul-Americana de Nações . Toledo defendeu o encontro como uma janela de oportunidade "birregional e extraordinária". Aplaudido ao falar da "liderança do presidente Lula", Toledo afirmou que o encontro em Brasília mostraria a capacidade dos governos de superar diferenças culturais e religiosas, e buscar um "toque humano" na globalização, para promover o desenvolvimento. Último a deixar o Centro de Convenções de Brasília, o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, um dos mais aplaudidos ao chegar, mostrou ter opinião diferente: "É um encontro político, geopolítico", disse, rindo. Em contraste, os discursos árabes foram fortes do ponto de vista político. A questão palestina e críticas a Israel foram mencionadas, sob aplausos, pelo secretário-geral da Liga Árabe, Amre Moussa, e pelo presidente da Argélia, Abdelaziz Bouteflika, que exerce a presidência temporária da Liga. Bouteflika disse ser uma "inaceitável negação de justiça a tragédia vivida há mais de meio século pelo povo palestino". Ele cobrou o cumprimento das leis internacionais e das determinações da ONU, que garantiriam o "direito do povo palestino a um Estado soberano com Jerusalém como capital", com a retirada de Israel dos territórios ocupados. Moussa foi ainda mais veemente ao falar da Palestina. "Queremos que Israel se afaste dos territórios ocupados, porque isso é ético, justo e uma demanda correta do povo palestino. Ignorar o pedido do povo palestino é a mesma coisa que levar ao caos internacional. " O chanceler do Egito, Ahmed Abul Gheit, aproveitou para fazer um apelo para que a América do Sul intensifique seu apoio à causa palestina. Gheit disse que o momento atual é determinante para a emergência do Estado Palestino. Mesmo reconhecendo que os países latino-americanos sempre desempenharam papel favorável aos palestinos, o chanceler egípcio pediu mais empenho. Com exceção do presidente Hugo Chávez, as críticas aos Estados Unidos foram tácitas. O presidente do Uruguai, Tabaré Vasquez, defendeu, sem citar os EUA, que os países em desenvolvimento evitem o alinhamento automático à "hegemonia dos grandes países". Na mesma linha, o primeiro-ministro da Síria, Mohammad Naji Otri, afirmou que a humanidade vive um momento de "predomínio das superpotências." O presidente da Guiana, Bharrat Jagdeo, fez um dos discursos mais contundentes. Ele atacou fortemente o sistema financeiro internacional e o modelo neoliberal, que, por causa de um mercado de capitais "sem controle", levou milhões de pessoas no mundo à pobreza. Jagdeo criticou o "duplo padrão" adotado pelos EUA e os países ricos em geral. Na defesa de seus interesses, pregam posturas que não valem para certas questões, afirmou. A maioria dos participantes enalteceu a iniciativa do presidente Lula de promover a cúpula. O chanceler do Kwait, o príncipe Mohammed Sabah Al-Salem Al-Sabah, disse que, apesar das diferenças culturais entre os dois blocos de países, a idéia da cúpula foi "muito inteligente". O chanceler da Somália, Abdullahi Sheik Ismail, encerrou seu discurso lendo, em espanhol, uma poesia enviada a Lula pelo presidente de seu país. "Viva o Brasil", declamou. (Colaborou Sergio Leo)