Título: Turbulência externa faz estragos no Brasil
Autor: Luiz Sérgio Guimarães
Fonte: Valor Econômico, 11/05/2005, Finanças, p. C2

Alguém precisa benzer o Banco Central. No dia em que o IGP-DI de abril - alta de 0,51%, quando a expectativa média dos analistas era de 0,80% - inaugura a fase de declínio dos índices de inflação, capaz de amparar uma argumentação em prol da estabilização da Selic em 19,50%, ironicamente o mercado internacional entra em polvorosa. Trata-se da crise tantas vezes prevista e todas às vezes adiada? Ninguém sabe ao certo. "Vai passar. É pontual", garantem operadores. "Começou. O que estamos vendo é apenas a ponta do iceberg", advertem outros. Fortes rumores de que três ou quatro hedge funds europeus estariam prestes a quebrar por terem assumido pesadas posições em derivativos de crédito da GM provocaram onda geral de venda de papéis de risco, como ações e bônus de emergentes. Ações de grandes bancos tradicionais operadores em derivativos, como o Deutsche e o JP Morgan, sofreram desvalorizações, colocando de sobreaviso a alta finança internacional. O principal temor é de que novo rebaixamento do rating dos títulos da GM desencadeie perdas em efeito dominó. No Brasil, o estrago foi considerável. Após sete quedas consecutivas, durante as quais desvalorizou-se 4,03%, o dólar subiu ontem 0,97%, cotado a R$ 2,4740. As compras, comandadas por instituições estrangeiras interessados em remeter dólares para as suas matrizes e reforçar o caixa nesse momento de incertezas, foi geral. Bancos domésticos trataram de reduzir as vultosas posições vendidas que vinham carregando na suposição de que o dólar persistiria caindo indefinidamente, já que a disposição do BC em voltar às compras era nenhuma. Os investidores de fora interromperam temporariamente ontem o seu novo posicionamento, inverso ao que vinham praticando, de vender juro futuro e comprar dólar futuro.

Essas operações casadas vinham derrubando os juros futuros longos. A inversão sinalizava para o fim da lua-de-mel com o Brasil: ineficaz, pois provocava desaquecimento econômico sem derrubar a inflação, o ciclo de alta da Selic chegara ao fim; isso colocava um piso ao dólar. Não dava mais para continuar na posição antiga de aposta persistente na desvalorização da moeda. Mas, ontem, o medo de uma quebra em cadeia de hedge funds capaz de abalar o sistema provocou decisões de fugas diretas. O dólar subiu e os juros dispararam no mercado futuro da BM&F. Mesmo antes do surgimento dos rumores no mercado externo, bancos locais já diminuíram posições vendidas em dólar por causa do surgimento dos primeiros indícios de que a balança comercial começa a ser afetada negativamente pela apreciação cambial. Segundo matéria publicada ontem pelo Valor, as exportações de manufaturados mostraram em abril sinais de retração. O vigor das exportações, o que sustenta o declínio do dólar, teria de se amparar nas vendas de commodities. De qualquer forma, o preço adequado do dólar não seria mais R$ 2,45.

Bovespa cai 2,76%; risco, dólar e juros sobem

Ninguém sabe se o cenário de quebra desenhado ontem irá se tornar realidade. Se vier a cristalizar-se, não haverá juro real interno suficiente para segurar os dólares aqui. A taxa atual de 12,42% - swap de 360 dias a 19%, deflacionado pela projeção Focus de 5,85% para o IPCA 12 meses à frente - não será sedutora. Com o crescimento da aversão ao risco de crédito, os dólares voarão para fora do país e a moeda subirá no mercado à vista com velocidade maior do que caiu. Se a estratégia usada pelo BC de apreciação cambial apenas consegue evitar uma inflação maior, o seu contrário, a disparada do dólar, tem efeito mortal sobre os preços. Se o juro não precisaria insistir na rota altista para debelar problemas de balanço de pagamentos, já que o país mostra-se menos vulnerável a crises externas, a trilha se manteria de elevação para conter as conseqüências perversas da desvalorização cambial sobre os índices de inflação. A alta foi bloco no DI futuro. Enquanto o contrato mais curto, para a virada do mês, subiu 0,03 ponto, para 19,58%, o prognóstico para a virada do ano avançou 0,09 ponto, para 19,47%. Os contratos de vencimento mais distante, objeto de venda por parte dos fundos de hedge até segunda-feira, também subiram. A projeção para julho do ano que vem avançou de 18,65% para 18,73%. A sorte que faltou ao Banco Central sobrou ontem ao Tesouro. Antes da turbulência nos mercados, ele conseguiu captar US$ 500 milhões por meio da reabertura do Global 2019. Concluída a emissão, o risco Brasil disparou. De novo, hedge funds venderam bônus brasileiros para montar um colchão de liquidez anticrise. O risco país subiu 3,78%, para 439 pontos-base. A Bovespa tombou 2,76%, a 24.762 pontos.