Título: Bush e Kerry expõem divergências sobre saúde e Previdência
Autor: Tatiana Bautzer
Fonte: Valor Econômico, 15/10/2004, Internacional, p. A-11

O debate entre o presidente George W. Bush e o candidato democrata, John Kerry, na quarta à noite, expôs claramente, pela primeira vez, a diferença de estratégia em relação a dois dos principais problemas de longo prazo da economia americana: o custo de planos de saúde e o financiamento da Previdência. Ambos têm grande impacto sobre a situação fiscal americana nos próximos anos e influenciam taxas de juros e ambiente econômico. Segundo o grupo Concord Coalition, sem ligação partidária, as propostas de Kerry para o financiamento da saúde custariam US$ 1,3 trilhão nos próximos dez anos. Já a continuidade do corte de impostos de Bush custaria também US$ 1,3 trilhão. O financiamento da Previdência nos EUA deve tornar-se um problema nos próximos cinco anos, quando começa a se aposentar a geração conhecida como "baby boomer", nascida no pós-guerra. Hoje a Previdência dos EUA é superavitária, mas, segundo cálculos oficiais, se não houver mudança no sistema, haverá déficit em 15 anos e, em 40 anos, estará exaurido o fundo garantidor de aposentadorias. Como no Brasil, o sistema de Previdência americano é de repartição, ou seja, quem trabalha hoje financia as aposentadorias que estão sendo pagas. A principal diferença em relação ao sistema brasileiro é que nos EUA há um limite baixo para o pagamento de aposentadorias e um fundo com recursos para garantir diferenças. Um trabalhador de alta renda dificilmente receberá mais de US$ 2 mil mensais da Previdência pública - o que significa um padrão de vida baixo nas regiões urbanas e estimula o grande crescimento do sistema de previdência privada. A proposta de Bush é acentuar o viés privado da Previdência, transformando a repartição em contribuições para contas privadas. O problema é que a transição vai custar caro, porque os trabalhadores que começarão a contribuir para suas contas não mais financiarão as aposentadorias atuais. Há grande discussão sobre qual seria este custo. Os democratas afirmam que chegaria a US$ 2 trilhões, enquanto os republicanos aceitam uma estimativa em torno de US$ 1 trilhão. Adicionando esse custo às propostas de Bush, o total de gastos entre renúncia fiscal e reforma previdenciária fica em US$ 2,3 trilhões. No debate, Bush evitou falar em reduzir aposentadorias, mas afirmou: "Se não agirmos hoje o problema será de trilhões". Reiterando que garantirá as promessas feitas aos idosos, disse que, para os trabalhadores jovens, "deve haver a opção de depositar numa conta de poupança pessoal". "Entendo que eles precisam ter taxas melhores de retorno (...). Será uma questão vital no meu segundo mandato", afirmou. Kerry atacou a proposta dizendo que o órgão do Congresso que revisa o Orçamento estima o buraco previdenciário em US$ 2 trilhões, e os cortes nas aposentadorias em 25% a 40%. "O presidente nunca explicou de onde virá o dinheiro para a transição", atacou o democrata. A Casa Branca criou "os maiores déficits da história americana", afirmou, lembrando a responsabilidade fiscal dos anos Clinton, que pretendia usar o superávit fiscal para garantir a solvência da previdência. Kerry, porém, não apresentou um plano claro. Disse que o fundamental é voltar a gerar empregos e superávits fiscais para resolver o problema no longo prazo. Sobre a aprovação do presidente do Federal Reserve, Alan Greenspan, à proposta do governo, o candidato democrata disse: "Greenspan fez um excelente trabalho na política monetária, mas apóia o corte de impostos proposto por Bush, eu não". Outro ponto importante da campanha eleitoral é o custo dos serviços de saúde. Dados recentes mostram que a alta dos custos reduziu o total de cobertura da população por planos públicos ou privados. A expansão do sistema de saúde público é um dos pontos principais da plataforma de Kerry, e seu custo é estimado em US$ 772 bilhões em dez anos pelo Concord Coalition. O democrata defende conceder cortes de impostos a pequenas e médias empresas que comprarem seguros para seus funcionários. Promete aumentar a concorrência e usar o poder de fogo do sistema público para negociar custos mais baixos de remédios. Nos EUA, mesmo os associados ao sistema público de saúde (Medicare) pagam mensalidades ao governo. Kerry afirma que a alta de 17% nessas mensalidades ocorreu por falta de poder do governo de negociar preços para grandes lotes de remédios. "Queremos que o Medicare negocie compras em bloco. O sistema de saúde dos veteranos [de guerra] já faz isso e consegue reduzir preços. Ao invés de ajudar o contribuinte a reduzir seus custos, o presidente tornou ilegal a barganha de preços pelo Medicare. O resultado, US$ 139 bilhões a mais em lucros da indústria farmacêutica, que sai do nosso bolso", afirmou Kerry. Ele quer que o governo pague parte dos tratamentos muito caros. Bush acusa Kerry de pretender criar um gigantesco sistema público, que restringiria o acesso aos serviços e criaria burocracia. Propõe criar poupanças isentas de impostos para despesas com saúde e impor limites às indenizações judiciais por erros médicos, que elevam os custos de seguros. Outras propostas são aumentar a informatização no setor e acelerar a entrada de remédios genéricos no mercado, idéia que não era apoiada pelo seu governo. Além de ações militares, os custos de saúde e Previdência são os itens de maior influência nas despesas no Orçamento americano. Déficits muito grandes nos próximos anos aumentam as necessidades de financiamento oficial e o total de dívida no mercado - o que pode pressionar as taxas de juros. A outra parte da equação é a arrecadação. A permanência de cortes de impostos prometidos pelo governo Bush num segundo mandato custará US$ 1,3 trilhão em dez anos. Kerry propõe manter os cortes de impostos apenas para os que têm renda inferior a US$ 200 mil ao ano, o teria um efeito negativo de US$ 498 bilhões em dez anos, estima o Concord Coalition.