Título: Crime e educação
Autor: Armando Castelar Pinheiro
Fonte: Valor Econômico, 15/10/2004, Opinião, p. A-13

É possível que algumas das pessoas que leram meu artigo "Crime e economia", publicado em 11 de junho, tenham estranhado a ausência de um maior investimento em educação entre as medidas que propus para reduzir a criminalidade. Não foi esquecimento. Pelo contrário, penso que esta é uma variável tão importante que merece ser tratada à parte. Pessoas mais instruídas em geral: (a) têm melhores oportunidades de emprego, o que torna a relação risco/retorno da atividade criminal, incluindo a perda de renda, em caso de prisão ou morte, menos atraente; (b) provavelmente se sentem mais socialmente pressionadas a respeitar a lei; (c) tiveram menos oportunidades de cometer crimes na adolescência, por estarem ocupadas na escola -- e, como observei no outro artigo, uma vez tendo cometido um crime, maior a chance de voltar a fazê-lo. Surpreendentemente, porém, há pouca evidência empírica do impacto de mais educação na taxa de criminalidade. Uma importante exceção é o trabalho de L. Lochner e E. Moretti, "The Effect of Education on Crime", publicado no número de março último da "American Economic Review". Lochner e Moretti concluem que, nos EUA, a conclusão do ensino médio reduz significativamente a probabilidade de se cometer crimes contra as pessoas e o patrimônio. De acordo com suas estimativas, um aumento de um ponto percentual na proporção de homens que concluem o ensino médio reduziria os custos sociais da criminalidade em US$ 1,4 bilhão, o equivalente a US$ 2,1 mil por graduado. Esse valor representa entre 14% e 26% do retorno privado em completar o ensino médio, e é uma economia auferida pela sociedade, mas não diretamente por quem comete o crime. Constitui, portanto, uma externalidade, que, ao não ser considerada, leva a um investimento sub-ótimo em educação secundária, particularmente dos jovens homens, mais propensos a cometer crimes. Não é imediato transpor esses resultados, ainda que o estudo de M. Mendonça, P. Loureiro e A. Sachsida, "Criminalidade e Inserção Social", publicado como texto para discussão do Ipea, mostre que, no Brasil, pessoas cujos pais têm educação secundária têm menor probabilidade de cometer um crime. De qualquer forma, como o Brasil tem taxas muito mais altas de criminalidade e de jovens que não concluem o ensino médio, pode-se inferir que o retorno social de investimentos no ensino médio, em termos de redução da criminalidade, pode ser significativo. O espaço para uma maior atuação do poder público nessa área é grande. Apenas 27% dos brasileiros com 25 anos ou mais de idade completaram o ensino médio. Essa proporção é ainda mais baixa entre os homens. De fato, apenas 44,1% dos alunos na 3ª série do ensino médio são homens, apesar de responderem por 52,9% das matrículas na 1ª série do fundamental. Tanto a repetência como a evasão são mais freqüentes entre os homens do que entre as mulheres. Esses são a maioria entre os 58,4% dos alunos que iniciam o ensino fundamental, mas nunca completam o ensino médio. Para os que o fazem, a jornada é longa: 13,7 anos em média, quase três a mais do que o número de séries completas, o que ajuda a explicar porque tantos jovens trocam o estudo por outras atividades. Essas constatações sugerem que quatro medidas deveriam ser adotadas para reduzir a criminalidade, através do aumento da proporção de brasileiros que completam o ensino médio:

O retorno social de investimentos no ensino médio, em termos de redução da criminalidade, pode ser significativo

1) A obrigatoriedade da matrícula escolar deveria ser estendida de 14 para 17 anos. Isso poderia ser feito acrescentando um ano de idade a mais por vez, e começando pelas áreas urbanas, antes de chegar ao meio rural; 2) A oferta de vagas no ensino médio deveria ser aumentada. Observe-se que dos 10,4 milhões de jovens de 15 a 17 anos, 81,5% já freqüentam a escola. Para elevar a taxa de escolaridade nessa faixa etária ao patamar da faixa de 7 a 14 anos (96,9%), seria necessário aumentar a matrícula em 1,6 milhão, o equivalente a 3,7% da matrícula total na educação básica (ensino fundamental e médio) em 2004. 3) Isso poderia ser feito reduzindo a distorção idade-série, que no ensino médio, em 2003, foi de 49,3%. Cerca de 15% dos alunos na educação básica regular têm 18 anos ou mais - a grande maioria desses 6,7 milhões de alunos, o equivalente a 74% da matrícula no ensino médio, já deveria ter concluído a educação básica. Se isso tivesse acontecido, seria fácil acomodar o 1,6 milhão de jovens na faixa de 15 a 17 anos que estão fora da escola. Uma forma de reduzir a distorção idade-série é transformar o Fundef, que garante um patamar mínimo de recursos para Estados e municípios por aluno matriculado no ensino fundamental, em Fundeb, que faria o mesmo para todos os alunos matriculados na educação básica, e, ao mesmo tempo, tornar as transferências do Fundeb crescentes, em função da série freqüentada pelo aluno. Essa extensão poderia ser feita sem necessidade de grandes aportes adicionais de recursos, desde que a distorção idade-série fosse significativamente reduzida. 4) Lochner e Moretti mostram que a matrícula compulsória no ensino médio aumentou a escolaridade e a proporção de jovens com educação secundária nos EUA. Desde que haja vagas, o mesmo deveria ocorrer aqui. Mas, no Brasil, o custo de oportunidade de ir à escola, para os jovens, pode ser maior do que nos EUA. Não por outra razão, a taxa de escolaridade entre os jovens de 15 a 17 anos é de 73% para aqueles nas famílias no quinto inferior de renda, contra 93% para os que pertencem às famílias no quinto superior. Por isso, jovens homens pobres, na faixa etária de 15 a 17 ou 18 anos, deveriam ser alvo de um programa focado de retenção e melhoria do rendimento escolar. Além disso, seria fundamental acelerar a sua passagem pelo ensino fundamental, de forma que eles cheguem mais cedo, e com menor custo de oportunidade em estudar, ao ensino médio. A educação secundária não vai pôr um fim na onda de violência que assola o país, tanto por ser apenas uma das variáveis que a influenciam, como porque seu efeito se dá em prazos mais longos. Mas ela pode ser um instrumento poderoso para que a criminalidade diminua significativamente no futuro.