Título: Cabotagem precisa 150% mais contêineres
Autor: Francisco Góes
Fonte: Valor Econômico, 15/10/2004, Especial, p. A-14

Porto de Mucuripe em Fortaleza: protocolo de intenções para atuar com Santos A navegação de cabotagem - o transporte de cargas entre os portos - vem crescendo ao ritmo de 20% ao ano desde 2001, em volume, e poderá repetir ou até superar esse desempenho em 2004. O crescimento sustentado da atividade é importante para reduzir o desequilíbrio entre o uso de navios e caminhões no transporte de cargas no Brasil. Em 2003, o transporte rodoviário respondeu por 63% do movimento de cargas em toneladas por mil quilômetros. O ferroviário, 24%, e o aquaviário, 13% (cabotagem mais transporte fluvial). No ano passado, a cabotagem sozinha movimentou o equivalente a 4,6% do total de contêineres que passaram pelos portos do país. "A matriz rodoviária é inadequada e irracional para países de grandes dimensões porque contempla o modal mais caro (o caminhão)", afirma João Luiz do Amaral, do Conselho de Logística da Associação Nacional do Transporte de Cargas e Logística (NTC). Amaral avalia que a cabotagem vem crescendo tanto porque as empresas buscam otimizar suas operações, reduzindo o custo de transporte. O frete representa dois terços do custo logístico. Estudo encomendado pela NTC concluiu que a demanda no Brasil chega a um milhão de TEUs (contêiner equivalente a 20 pés) por ano na cabotagem. Mas, em 2004, somando o movimento das grandes empresas de navegação, o movimento não deve ultrapassar 400 mil TEUs, segundo Amaral. O déficit é de 150%. A pesquisa inclui distâncias acima de 1,5 mil quilômetros e destinos em terra de até 400 quilômetros da costa. Amaral explica que o fato de o país ainda utilizar pouco esse sistema de transporte acaba encarecendo os fretes. E na composição dos custos do setor, o combustível é um fator de grande preocupação para as empresas. Isso porque o óleo combustível dos navios de bandeira brasileira custa 17,5% mais em Santos do que em Roterdã, um dos maiores centros logísticos da Europa. Impostos e falta de investimentos em distribuição explicam a disparidade de preço do óleo, chamado bunker, em relação ao exterior. A falta de equalização dos preços do óleo marítimo é um dos gargalos para o desenvolvimento da navegação de cabotagem no Brasil. Há outras dificuldades, como escassez de navios, burocracia e falta de harmonização nos procedimentos das autoridades intervenientes nos portos, como Receita Federal e Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Somados, estes itens contribuem para o aumento dos fretes marítimos, reduzindo a diferença de preços em relação ao transporte rodoviário. O bunker vendido no porto de Santos situa-se na faixa dos US$ 213 por tonelada, enquanto em Roterdã, fica em US$ 181 por tonelada. No diesel, usado para rodar os geradores das embarcações, essa diferença é ainda maior, de 34%. "Esse é um tema que precisará ser discutido", admite Sérgio Bacci, secretário de fomento para ações de transporte do Ministério dos Transportes. Bacci planeja promover seminário para discutir o desenvolvimento da navegação de cabotagem no país. "Seria importante inverter a relação rodovia-cabotagem existente hoje no país", observa Bacci. O diretor-geral da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq), Carlos Alberto Wanderley Nóbrega, entende que é preciso equiparar os custos da cabotagem com o dos navios que fazem as linhas de longo curso, ligando o Brasil ao exterior. Hoje, ao abastecer esses navios, a Petrobras não aplica impostos sobre o combustível por considerar a operação como "exportação". Já sobre o bunker vendido às linhas de cabotagem há incidência de impostos. Carlos Ebner, diretor-presidente da Docenave, empresa de navegação da Companhia Vale do Rio Doce, acrescenta que o bunker é vendido com exclusividade pela Petrobras e, apesar de a estatal produzir óleo pesado em excesso, ela embute sobrepreço nas vendas ao mercado interno em relação a Roterdã, a referência internacional. A incidência de ICMS, PIS e Cofins também eleva o preço do bunker. A Petrobras informou, por meio de sua assessoria, que os preços desse óleo no Brasil sinalizam a paridade de exportação do óleo combustível de baixo teor de enxofre. "O bunker no Brasil apresenta um dos mais competitivos preços mundiais, sendo mais barato do que em Cingapura, Houston, Nova York e Buenos Aires", rebateu a área de bunker da Petrobras. As empresas de navegação também reclamam dos subsídios dados ao óleo diesel no transporte rodoviário de cargas. Ebner fez as contas e concluiu que entre janeiro de 2002 e setembro de 2004 o diesel aumentou 79%, enquanto o bunker (tipo IFO 380) subiu 122%. Já o óleo industrial teve alta de 73%. Apesar destas desvantagens, a cabotagem continua a ser entre 20% e 30% mais barata, dependendo do trecho e da carga, em relação ao transporte rodoviário. Alto custo dos fretes rodoviários, roubos e insegurança levaram a Lurex Distribuidora de Baterias, de Fortaleza (CE), a transferir grande parte de sua carga de caminhões para navios no comércio com São Paulo. "O plano é usar a cabotagem para 95% de nossas necessidades de frete", diz Luceno Pinheiro, diretor da Lurex. A empresa começou a usar a cabotagem em maio, com o serviço "porta a porta", pelo qual a companhia de navegação se encarrega de retirar as baterias no fabricante, a Enertec do Brasil, em Sorocaba (SP), e levá-las por caminhão até o porto de Santos. De lá, os contêineres seguem por navio até o porto de Mucuripe, em Fortaleza. A economia com o transporte foi de 20%, estima Pinheiro. O caso da Lurex foi transformado em referência em SP e Fortaleza para mostrar o potencial de crescimento da cabotagem. Os dois portos assinaram este ano protocolo de intenções para atuarem conjuntamente na cabotagem, com políticas de incentivo à atividade. O porto de Fortaleza também assinou, em setembro, acordo com o Departamento Nacional de Infra-Estrutura de Transportes (Dnit), do Ministério dos Transportes, prevendo a liberação de R$ 12 milhões para aprofundar o calado até 11 metros. Hoje, o navio tem de esperar maré para atracar e muitas vezes o baixo calado obriga o navio a limitar o volume de carga em outros portos para ter condições de operar em Fortaleza. Rachel Ximenes Marques, presidente da Cia. Docas do Ceará, a autoridade portuária em Fortaleza, diz que o próximo passo será o reforço do cais para permitir a instalação de guindastes de movimentação de contêineres. Hoje, os navios que atracam no porto precisam de guindastes de bordo. A Termaco Logística, um dos operadores portuários de Fortaleza, planeja investir US$ 3 milhões na compra de um guindaste móvel, informou Carlos Maia, diretor operacional da empresa. Em 2003, Fortaleza foi o segundo porto em movimentação de carga na cabotagem, perdendo para Santos. Fortaleza, que movimenta carga geral e granéis sólidos e líquidos, disputa espaço com Pecém, outro porto cearense, criado pelo governo federal a partir de investimentos equivalentes a US$ 400 milhões. A tendência é Fortaleza focar sua atividade na cabotagem enquanto Pecém se especializa em produtos siderúrgicos. Nóbrega, da Antaq, avalia que acordos como o de Santos e Fortaleza devem servir de exemplo para outros portos. Mesmo estando em fase de expansão, a cabotagem sofre com falta de uniformidade de procedimentos entre Estados e União e altas taxas.