Título: Especialistas em relações internacionais se dividem sobre os resultados do evento
Autor: Sergio Leo e Taciana Collet
Fonte: Valor Econômico, 12/05/2005, Brasil, p. A4

Os especialistas em relações internacionais estão divididos sobre os resultados da Cúpula América do Sul-Países Árabes, que terminou ontem em Brasília. Alguns dizem que o Brasil permitiu que os árabes transformassem o encontro em palanque para reivindicações políticas. Outros defendem que é impossível separar comércio e política no mundo árabe. "Está claro que o Brasil se deixou pressionar para transformar a cúpula em propaganda política", diz Peter Demant, professor da USP e autor de "O Mundo Muçulmano". Na sua opinião, as posições árabes sobre terrorismo estão mais claras do que previa o Itamaraty na declaração conjunta da cúpula e não devem agradar aos EUA e Israel. Ele acredita que o Brasil se "nocauteou" como mediador na questão palestina, pois assumiu uma posição unilateral. Demant, porém, minimiza o impacto de os países da América do Sul endossarem posições árabes sobre terrorismo ou ocupação estrangeira de territórios, porque sua relevância no conflito é "apenas marginal". José Augusto Guilhon, professor da USP e da Universidade São Marcos, também avalia que a declaração enfatiza o caráter político. "Esse documento é um vale-tudo. Colocou tudo que todos queriam. É ambíguo e pode ser utilizado por árabes e por israelenses", diz. Ele expressou preocupação com a falta de uma cláusula democrática, pois o Brasil se distancia de uma posição histórica, presente na (OEA e no Mercosul. O especialista também criticou não haver menção explícita à candidatura do Brasil ou de um país sul-americano a membro permanente do Conselho de Segurança da ONU. "É muito barulho por nada. O Brasil levantou um imenso palanque para defender interesses que não são nossos", diz. Para o ex-embaixador do Brasil nos EUA e presidente do conselho de comércio exterior da Fiesp, Rubens Barbosa, a declaração da cúpula não teve um caráter apenas político, mas também econômico, e a linguagem utilizada é a da ONU. "Deve haver alguma reação, mas nada dramático", diz. Barbosa acredita que, ao não incluir uma cláusula democrática, o Brasil evitou endossar uma agenda americana, pois o governo Bush já disse quer quer espalhar a democracia pelo mundo. "A reunião é um fato importante em si, pois aproxima duas regiões e mostra o poder de convocação do Brasil". O coordenador do curso de relações internacionais da PUC, Reginaldo Nasser, afirma que reconhecer que um povo pode resistir à ocupação é apenas seguir o direito internacional. "No mundo árabe, a questão palestina é mais valorizada que desemprego. Quem não se colocar de forma clara a favor do Estado palestino, não vende seus produtos." Nasser avalia que o fato de não haver apoio formal à candidatura do Brasil ao Conselho de Segurança da ONU é um problema da América do Sul, pois não há unidade no continente sobre o assunto. Para o diretor da Faculdade de Direito de Santa Maria, no Rio Grande do Sul, Ricardo Seitenfus, era impossível fugir dos dilemas políticos na declaração conjunta, porque o mundo árabe é a região mais problemática do planeta. Na sua avaliação, o Brasil se limitou a endossar resoluções da ONU e do direito internacional, que não aceita o princípio da guerra de conquista. Seitenfus avalia, no entanto, que a questão política não preponderou na cúpula, pois foram feitos contatos empresariais, que devem render frutos no futuro. "Os EUA e a UE deixam de manter relações comerciais com esses países pela falta de democracia?", questiona.