Título: Brasil repete promessas para Argentina
Autor: Sergio Leo e Taciana Collet
Fonte: Valor Econômico, 12/05/2005, Brasil, p. A5

A Argentina, "muitas vezes", tem razão em suas reclamações contra o Brasil, porque os dois países precisam fortalecer a recuperação da indústria do país, afirmou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, na entrevista de encerramento da Cúpula América do Sul-Países Árabes. Lula irritou-se com o destaque dado pela imprensa à decisão do presidente argentino, Néstor Kirchner, de deixar a reunião de cúpula antes da cerimônia de encerramento, e garantiu que o governo vive "uma relação muito boa com a Argentina." Os dois governos discutem, porém, demandas dos argentinos que se queixam de assimetrias em sua relação comercial e de investimentos com o Brasil. Lula afirmou que pretende discutir um projeto de política industrial com os empresários argentinos para construir uma "nova etapa" na relação bilateral, em médio prazo, e "ir resolvendo as coisas que se apresentam no varejo". O assessor internacional de Lula, Marco Aurélio Garcia, reafirmou que o governo estuda uma fórmula para financiar, com recursos do BNDES, investimentos na Argentina, e projetos de empresas daquele país, provavelmente em associação com firmas brasileiras. Essa solução já foi aventada pelo Brasil em dezembro, mas nada foi implementado até agora. "Os dois Estados, o brasileiro e o argentino, não podem ceder à pressão de um empresário ou um setor apenas; precisamos ver as necessidades do conjunto", advertiu Lula. Bem-humorado, o presidente disse que a única "coisa meio nervosa" entre os dois países hoje é o Corinthians, time pelo qual torce, que passa por desentendimentos entre atletas dos dois países e demitiu na terça o técnico argentino Daniel Passarela. "A verdade é que tem setores argentinos que se queixam da invasão de produtos brasileiros; é verdade que, se você for ao Rio Grande do Sul e a Santa Catarina, vai encontrar produtores se queixando", disse Lula. Na semana que vem, o secretário-executivo do Ministério do Desenvolvimento, Márcio Fortes, se reunirá com autoridades argentinas e empresários dos dois países para discutir as queixas de ambos os lados. O ministro do Desenvolvimento, Luiz Fernando Furlan, e o da Fazenda, Antônio Palocci, vão a Buenos Aires em junho, onde devem discutir propostas do governo argentino, de criação de salvaguardas, com barreiras comerciais automáticas em caso de aumento exagerado de importações por um dos países; e um "código de conduta" para impedir a migração de investimentos de um país ao outro. Palocci afirmou que espera resposta argentina à contraproposta brasileira sobre as duas questões. O governo só aceita salvaguardas não automáticas, no modelo previsto pela Organização Mundial do Comércio (OMC), e aceita um código de conduta com normas genéricas sobre investimentos. O presidente eleito da União Industrial Argentina (UIA), Héctor Méndez, repetiu ontem que a delegação empresarial de seu país foi "maltratada" durante a reunião com Furlan. Segundo Méndez, a posição defendida por Furlan foi de que "se a Argentina quiser estar junto com o Brasil, que venha, mas se não quiser, o Brasil vai sozinho". "Sempre fui duro, mas leal; a Argentina é prioridade", reagiu Furlan, ao saber das críticas. No dia 20, o ministro de Relações Exteriores, Celso Amorim, vai à Argentina conversar com o chanceler de Kirchner, Rafael Bielsa. Integrantes dos dois governos afirmavam que o tom das conversas dos dois governos, na terça-feira, foi conciliatório. Kirchner teria dito a Lula não disputar "hegemonias" e ter interesse apenas em resolver as questões econômicas internas da Argentina. (Colaborou Paulo Braga, de Buenos Aires)