Título: Criticam o governo, mas ainda pedem mais
Autor: Wanderley Guilherme dos Santos
Fonte: Valor Econômico, 12/05/2005, Política, p. A6

Por falta de tempo ou de disposição, o fato é que não encontrei entre meus amigos economistas alguém capaz de elaborar uma planilha informando o que andava bem nos últimos dez anos e foi piorado pelo governo atual, o que não ia lá das pernas e vai melhor, o que era bom e assim continua, e o que deixava a desejar antes sem haver sido reparado. O pedido é um tanto rústico, certo, porque conseqüências de ações públicas costumam aparecer muito tempo depois das primeiras iniciativas e é bem provável que parte do que acontece de positivo nos dias que correm devesse ser atribuído a decisões de governos anteriores. Bem assim como alguns descalabros contemporâneos são legítimos herdeiros de precária generosidade pregressa. O mal afamado "populismo" é uma das variantes dessa promessa de paraíso de fôlego curto, legando o purgatório, na melhor das hipóteses, aos sucessores. Mas sofisticadas preocupações não deviam servir como um "muro de Berlim" a modestos esclarecimentos ao público não especializado, com sentinelas à espreita daqueles trabalhadores qualificados que escolhessem a liberdade do mercado das idéias rústicas. Se o ritmo da produção industrial dá mostras de arrefecimento, o que explica as notícias sobre a expansão dos investimentos no setor de máquinas-ferramenta? Se as políticas públicas de cunho social estão caóticas, por onde andam as ações responsáveis pela percepção dos carentes de que estão recebendo melhor atenção? Se a agitação no campo, ignorada pelo governo, compromete a produção corrente e as perspectivas de investimento, a que se deve o sucesso das exportações agrícolas? Parece pouca coisa, mas vira um enorme quebra-cabeça descobrir onde está a presumida incompetência gerencial da administração petista. Não seria surpresa se as confusões do governo Lula apontassem justamente para o oposto: excesso de iniciativas e obsessão gerencial.

Governo age como outros: respondendo caso a caso

É transparente que a nova equipe foi sedenta ao pote. Cheia de idéias na cabeça (ao contrário do clichê de que não tinha programa), menos uma: a de como operava o Estado brasileiro - da implementação das macro decisões do Executivo federal ao repasse de fundos municipais. Essencialmente, o PT não tinha e parece não ter uma concepção das dificuldades do federalismo brasileiro e de como pretende submetê-los a uma agenda de ações claramente orientadas. Continua o governo central a agir como vêm agindo os diversos governos desde os militares: respondendo caso a caso aos problemas que vão surgindo, criando com isso outros, e não poucos, e às vezes maiores. A rigorosa Lei de Responsabilidade Fiscal, unanimemente elogiada, é um desafio à Federação, e cada vez que surge um obstáculo à sua aplicação por parte dos Estados, as propostas de solução só visam aumentar a fonte original do problema, que é a monarquia unitária fiscal do sistema político brasileiro. Uma das sérias vulnerabilidades da política democrática no país consiste na real possibilidade de discriminação partidária das unidades federadas com a cobertura, ou a transgressão, das leis que regem as relações entre centro e periferia. Intranqüiliza um pouco imaginar em que condições estarão tais relações quando a LRF estiver completando vinte anos de existência. No médio prazo, os escandalosos pronunciamentos do presidente da Câmara dos Deputados tendem a virar sussurros. A solidez das instituições democráticas não se estabelece e resiste a desafios na razão direta de seu tempo de existência. A violência que a administração Bush vem fazendo à democracia americana não é brincadeira. Trágico é observar a cumplicidade da opinião esclarecida - co-criminosa desde a guerra do Vietnã - e a verificação de que o governo norte-americano corresponde aos desejos da maioria da população. Estivesse ocorrendo na América do Sul e se falaria de servidão voluntária. Por que mencionar o tema? Porque as sombras ao futuro democrático do país não têm origem nas políticas ou na gestão do governo petista, mas na concepção centralizadora de toda a elite política brasileira, situação e oposição, intelectuais orgânicos e inorgânicos - todos favoráveis à congestão. É o que pedem: mais governo central. Por isso, suspeito que a hesitação de meus colegas esteja em que a planilha que imaginam contenha uma só rubrica - a racionalidade do mundo - com o agônico veredicto de que vamos de mal a pior. Concordo, mas por razões completamente opostas.