Título: Um projeto nacional para o Brasil de 2022
Autor: Maria Clara R. M. do Prado
Fonte: Valor Econômico, 12/05/2005, Opinião, p. A11

O que se deve esperar para o Brasil em 2007, em 2015 e em 2022? Mais complicado ainda, como agrupar anseios e expectativas ao factível e admissível para definir objetivos estratégicos visando a horizontes mais longínquos? Como se essas dúvidas não bastassem, e supondo mesmo que possam ser consensualmente equacionadas, restaria ainda o drama de decidir de que forma e por que meios aqueles objetivos deveriam ser buscados. Alguns diriam que é como tentar adivinhar o futuro em bola de cristal. No entanto, o governo acha possível desenvolver um projeto de médio e de longo prazos para o país cujas metas sejam perseguidas a partir de um entendimento entre governo e sociedade, o que está sendo chamado de "visão da Nação Brasil". Estas intenções estão claramente explicitadas no texto do "Projeto Brasil 3 Tempos" que começa a ser montado pelo governo federal, sob a coordenação do ministro-chefe da Secretaria de Comunicação de Governo e Gestão Estratégica, Luiz Gushiken. Ele é também o presidente do Núcleo de Assuntos Estratégicos da Presidência da República (NAE), uma entidade que não foi ainda totalmente regulamentada mas que já tem um corpo funcional trabalhando no projeto, sob a coordenação do coronel de Exército, Oswaldo Oliva Neto. Diz o texto de apresentação do Brasil 3 Tempos: "O projeto estabelecerá as bases de um trabalho conjunto do Estado e da sociedade, no sentido de se lograr um processo de cooperação - organizado como um 'projeto nacional' - sob a forma de um conjunto de metas e objetivos consolidados com o cenário prospectivo pactuado nacionalmente". Fala, portanto, de pacto, embora não se conheçam os interlocutores que representariam a sociedade brasileira na definição e implementação dos objetivos específicos e metas temporais que o governo pretende introduzir em três tempos, justamente em 2007, em 2015 e em 2022. O primeiro passo do projeto foi deslanchado na sexta-feira passada, quando 50 mil brasileiros começaram a receber em casa, pelo correio, uma carta do governo federal com uma senha individual para acesso ao programa, via Internet, com convite para responderem a um questionário de 50 perguntas sobre uma série de temas estratégicos relacionados ao Brasil nos campos institucional, econômico, sócio-cultural, territorial, ambiental, global e de conhecimento. São pessoas de diferentes atividades, idades e formação, escolhidas para funcionarem como espécie de parâmetro dos anseios e expectativas da sociedade brasileira para os próximos anos. As respostas, ponderadas pelo nível de conhecimento dos participantes, serão cruzadas em um sofisticado programa de software que, segundo adianta o coronel Oliva, está preparado para realizar até 1.024 combinações. "Queremos que todas as combinações possíveis sejam consideradas para que possamos definir os cenários prospectivos para 2007, para 2015 e para 2022 a partir da 'desejabilidade' da sociedade, ou seja, com base naquilo que a população consultada gostaria que acontecesse", explicou ele. O governo pensa que terá como aliada a técnica do "foresight", no sentido de que quanto maior a ocorrência das projeções no cenário mais provável (ou seja, aquele que reúne maior consenso), maior a possibilidade do objetivo ser alcançado. Mal comparando - embora seja esse mesmo o sentido - é parecido com a mecânica da meta de inflação que é fixada pelo governo, administrada pelo Banco Central mas só funciona se a sociedade (o mercado, aqui, tem peso fundamental) acreditar na meta e confiar nas autoridades que a gerenciam.

Governo articula consensos de longo prazo no momento em que as divergências se cristalizam em torno do embate eleitoral de 2006

Em julho, o NAE pretende sair pelo país promovendo seminários regionais para colocar em discussão justamente os objetivos que teriam surgido com mais evidência das respostas dos 50 mil brasileiros consultados. Em outubro deste ano, com tudo mastigado, definições aparentemente afinadas, a intenção é então lançar o projeto conceitualmente amarrado para os próximos 17 anos no processo de pactuação com todos os principais representantes da sociedade, inclusive ex-presidentes da República. A partir daí se construiria a "curva do futuro". É justamente nesse ponto que o plano corre o risco de não dar em nada, pois só sairia do papel, de acordo com a retórica do governo, se e quando tiver a chancela consensual da maioria dos brasileiros que influenciam e ajudam a formar opinião. A questão é saber se pessoas que se opõem ao governo como, por exemplo, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, estarão dispostas a chancelar o Projeto Brasil 3 Tempos, uma idéia que nasceu no gabinete de Gushiken, no seio do governo Lula, com fortes chances de ser associada a uma estratégia política mais imediata, tendo em vista as eleições presidenciais de 2006. Ou, ainda, se contará com o apoio da parte mais influente da intelectualidade que cresceu à sombra das hostes petistas, em oposição a uma corrente mais liberal de pensamento, mas que hoje se sente "traída" pelo conservadorismo da política econômica de Lula. O coronel Oliva sabe que o projeto, nos termos propagados, só fará sentido - sem que se entre aqui no mérito das propostas, mesmo porque ainda são desconhecidas - se tiver a concordância de todos e se puder aglutinar os diferentes partidos, ideologias, credos, versos e prosas em torno de algo que, no fundo, estará identificado com o governo Lula, para o bem ou para o mal, independente da forma ou da cor que tenha. Ainda que o presidente Lula, seu partido e seu governo fossem vistos pela sociedade brasileira como legítimos pólos para a definição e a execução dos objetivos e metas de tão ambicioso projeto, restaria ainda um crucial aspecto a ser enfrentado: como fazer? Uma boa indicação das dificuldades que a pergunta suscita pode ser encontrada em alguns dos textos que têm sido elaborados por encomenda do NAE para embasar o projeto. Um deles, o que trata de economia, confronta prós e contras de visões e soluções entre as correntes de pensamento econômico mais desenvolvimentista e mais liberal. Só ali, para não ir muito longe, fica clara a dificuldade de viabilizar qualquer projeto de mais longo prazo para o país.