Título: O "conundrum" brasileiro e a eficácia da política monetária
Autor: Alkimar R. Moura
Fonte: Valor Econômico, 12/05/2005, Opinião, p. A10

Um dos fatos mais surpreendentes da atual política monetária norte-americana refere-se à ausência de mudanças nas taxas de juros de longo prazo, após um período de sucessivas elevações nas taxas de juros de curto-prazo. De fato, desde 30 de junho de 2004, quando Alan Greenspan e seus colegas do Comitê de Mercado Aberto do Sistema de Reserva Federal começaram a elevar a taxa básica de juros (a taxa dos chamados "Fed funds", equivalente à nossa taxa Selic), então no nível de 1% ao ano, no ritmo moderado e previsível de 0,25% ao ano por reunião, pouca coisa mudou no ramo mais longo da curva de juros, onde são registradas as taxas dos títulos de maior prazo de maturidade do Tesouro norte-americano. Isto parece comprometer a eficácia da política monetária naquele país, pois esta última estaria se revelando incapaz de mover a taxa longa de juros, a qual, segundo rezam os manuais, é a que influencia as decisões de gastos das empresas e dos consumidores, ou seja, a economia real. Este aparente paradoxo entre contínuas elevações nas taxas de curtíssimo prazo e relativa estabilidade nas taxas longas foi apelidado de "conundrum" americano e vem inquietando os principais formuladores da política monetária naquele país. Afinal, a tão celebrada competência técnica de Greenspan está sendo testada pela resistência das taxas longas ao ciclo de gradual aperto da taxas de juros de curtíssimo prazo. Guardadas as devidas proporções, a trajetória recente da política monetária brasileira revela também um paradoxo surpreendente: a coexistência de um aperto monetário que já dura oito meses, ao lado de uma contínua e aparentemente sólida expansão das operações de crédito bancário, principalmente aqueles destinados às pessoas físicas. De fato, as sucessivas elevações da taxa Selic, decididas nas reuniões mensais do Comitê de Política Monetária do Banco Central (Copom), visam conter a expansão de gastos, por parte das empresas e dos indivíduos, e com isto induzir uma convergência entre a taxa de inflação observada e a taxa estabelecida como meta para o ano. O aumento da taxa básica de juros deveria, em princípio, causar uma elevação no custo do crédito bancário, o que contribuiria para restringir a propensão ao endividamento das empresas e das pessoas físicas. Não é o que está ocorrendo no país. O próprio presidente Lula chegou a celebrar publicamente a expansão de crédito, apesar das continuadas majorações da taxa Selic (o que, em certo sentido, demonstra a ambigüidade do Executivo em relação às metas de política monetária, fixadas por um órgão do próprio Executivo, o Conselho Monetário Nacional).

Vantagens do crédito consignado em folha elevaram competição dos bancos pela renda dos aposentados

A explicação para tal paradoxo, como já mencionado por vários analistas, reside no notável crescimento das operações de crédito pessoal, sobretudo daquelas vinculadas ao crédito consignado em folha de pagamento e, mais recentemente, na verdadeira febre de crédito para os aposentados do INSS. Entre setembro de 2004, quando foi iniciado o ciclo de alta da taxa Selic, e março de 2005, houve uma expansão de 6,2% nas operações de crédito ao setor privado, exclusive crédito pessoal. Estas últimas, no mesmo período, cresceram quase três vezes mais, ou seja, 17,2%. Para os bancos, as operações são vantajosas, pela diminuição de riscos de inadimplência e pela diluição de operações por um número muito grande de tomadores. As vantagens são tamanhas e a competição tão acirrada pela renda dos aposentados que está ocorrendo uma ampliação do prazo das operações, com evidentes implicações de descasamento de maturidade no balanço das instituições financeiras. Para os tomadores de crédito, as novas linhas representam uma oportunidade para acesso a bens e serviços antes não disponíveis. Nestas condições, alterações na taxa Selic, ao levar a pequenas elevações em valor absoluto no montante das prestações devidas, pouco desestímulo acarretarão nas decisões de endividamento dos novos participantes do mercado de crédito. E como tal crédito destina-se basicamente à compra de alimentos, bens não duráveis e mesmo duráveis, o efeito na demanda de bens e serviços é imediato. Esta expansão de crédito pessoal soma-se à relativa estabilidade nas condições de emprego e ao aumento do salário mínimo para assegurar a manutenção de níveis relativamente elevados de demanda agregada, o que contribui, entre outras causas, para explicar a resistência da taxa de inflação em ceder para patamares mais civilizados. Quais as conseqüências do "conundrum" brasileiro para a eficácia da política monetária? A menos que uma crise cause uma súbita elevação de juros no exterior, tudo leva a crer que a expansão de crédito pessoal deverá se manter, sem embargo dos esforços do Copom para elevar a taxa Selic, o que continuará dando um fôlego extra às vendas e produção. Com isto, os efeitos da política monetária sobre a atividade econômica serão menos restritivos, o que significa um período maior de convivência com uma taxa de inflação mais elevada do que a meta. A queda na taxa Selic tardará mais, com sua óbvia implicação para o custo da dívida pública e para a taxa nominal de câmbio.