Título: PT sugeriu acordo em troca de ajuda do Tesouro, diz Serra
Autor: Ricardo Balthazar
Fonte: Valor Econômico, 12/05/2005, Especial, p. A12

O PT ofereceu ajuda à Prefeitura de São Paulo em troca de um compromisso pelo qual os tucanos deixariam de apontar infrações cometidas pela gestão da ex-prefeita Marta Suplicy (PT). A revelação foi feita pelo prefeito José Serra (PSDB) durante um encontro reservado que teve com economistas e executivos do mercado financeiro, há duas semanas, no Rio de Janeiro. O prefeito disse que rejeitou a proposta petista. Serra entrou no assunto de forma tortuosa. "Quando o pessoal do PT vem propor acordo de nós não dedarmos as infrações à Lei de Responsabilidade Fiscal em troca de ajuda federal", começou, interrompendo a frase sem concluí-la. "Porque isso existe, inclusive a Secretaria do Tesouro Federal é especialista em fazer acertos dessa natureza", continuou. "Nós não temos condições de aceitar." O prefeito fez essas afirmações no dia 25 de abril, no Instituto de Estudos de Política Econômica (Iepe), um discreto centro de pesquisas mais conhecido pelo nome do lugar onde suas reuniões ocorrem, a Casa das Garças. Ele foi criado há cerca de um ano por um grupo de economistas que inclui ex-participantes do governo Fernando Henrique Cardoso e professores da Pontifícia Universidade Católica (PUC) do Rio. O Valor obteve uma gravação com o registro completo da reunião. Ela estava disponível para associados do Iepe na sua página na internet na semana passada. O Valor copiou-a usando a senha fornecida aos associados do Iepe no início de suas atividades: "garcas". O arquivo que ensinava a usar a senha ficou disponível por algum tempo na área aberta do site e ela permaneceu válida desde então. Dirigentes do Iepe manifestaram ao Valor surpresa com o fato de que a senha tivesse ficado disponível dessa maneira e providenciaram sua troca. A gravação inclui todo o debate que se seguiu aos comentários iniciais de Serra. O encontro durou duas horas. Seu objetivo era discutir a situação financeira da Prefeitura de São Paulo e as dificuldades que Estados e municípios têm para se enquadrar na Lei de Responsabilidade Fiscal. O prefeito atacou a Secretaria do Tesouro Nacional várias vezes, acusando-a de agir com motivação partidária. "Este Tesouro que está lá faz casuísmos por motivos políticos quando é o caso", afirmou. "Se é uma prefeitura do PT, se é um outro, Fulano de Tal, o sujeito vai lá e acerta. Mas acertam na hora. Não tem conversa de ortodoxia nem nada parecido." Serra não forneceu uma descrição mais objetiva da tentativa de aproximação que o PT teria feito com ele. E mencionou apenas um exemplo de favorecimento do Tesouro a uma administração petista, uma facilidade obtida por Marta em agosto do ano passado, quando foi autorizada a adiar para o fim do mês o pagamento da parcela mensal de sua dívida com o governo federal. O Valor informou ontem a assessoria de imprensa de Serra sobre o conteúdo desta reportagem e pediu uma entrevista para que ele esclarecesse o que quis dizer na reunião da Casa das Garças, mas a assessoria do prefeito não deu resposta até as 21 horas de ontem. O secretário do Tesouro, Joaquim Levy, está em viagem ao exterior e não pôde ser localizado ontem por sua assessoria. Além da dívida com a União, Serra herdou de Marta uma fatura de R$ 2 bilhões em restos a pagar, despesas com serviços e obras que foram realizados mas não foram pagos durante a gestão petista. O prefeito promete quitar pelo menos metade dessa dívida até o fim de seu mandato, em 2008. Seu compromisso com os fornecedores da administração é pagar o restante até 2012. Sem se estender sobre o tema, Serra disse na Casa das Garças que não pretende concorrer à reeleição. Ele acredita que terá alcançado "uma vitória tremenda" se atingir em 2008 a meta prevista para a redução da dívida com restos a pagar. Mas teme sofrer as penalidades previstas pela Lei de Responsabilidade Fiscal se entregar o cargo sem liquidar a conta dos restos a pagar inteiramente. "Outro aspecto que me preocupa muito [...] é como é que nós vamos passar a prefeitura daqui a quatro anos", explicou. "Porque eu não vou me candidatar à reeleição." Entregar a prefeitura com restos a pagar, mesmo se a dívida que ele herdou de Marta tiver sido reduzida, "seria infringir a lei", como o próprio Serra salientou durante sua exposição. Segundo ele, foi isso que o levou a rejeitar a proposta que os petistas lhe teriam feito. Serra espera ter argumentos para evitar punições da Justiça e do Tribunal de Contas do Município (TCM) se conseguir reduzir a dívida com restos a pagar e atribuir pelo menos parte dos seus problemas a infrações cometidas por Marta. "O que nós temos que fazer, ao contrário [do que o PT teria sugerido], é revelar tudo", afirmou. Serra e outros participantes do debate, como o secretário da Fazenda do Estado de São Paulo, Eduardo Guardia, observaram que o acúmulo de restos a pagar no fim do mandato de Marta tornou a situação do município um caso especial. "A Prefeitura de São Paulo rasgou a lei", resumiu Guardia. "Que é que vamos fazer quando o próximo governante assumir com um estoque de dívida que não deveria existir nos termos da lei?" Serra disse que tem mantido cerca de R$ 2 bilhões em caixa para ter folga financeira na administração do município. Boa parte da arrecadação da cidade se concentra no início do ano. Ele disse temer que um dia a Justiça determine o seqüestro das receitas municipais para obrigá-lo a pagar credores. "Se der a louca na Justiça, [...] pode dar seqüestro na hora, e isso é uma espada que está sempre presente." O prefeito criticou várias vezes a maneira como seus antecessores administraram a cidade. Em certo momento, sugeriu que o ex-secretário de Finanças João Sayad, que deixou a equipe de Marta um ano antes das eleições municipais, entregou o cargo por discordar dos rumos da administração. "Quando o Sayad saiu, ele saiu porque eles decidiram gastar um caixa que tinha de [R$] 1 bilhão", afirmou Serra.