Título: Economistas tucanos criticam proposta do prefeito
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 12/05/2005, Especial, p. A12

Economistas que trabalharam na condução da política econômica do governo Fernando Henrique Cardoso e participaram do debate no Instituto de Estudos de Política Econômica (Iepe) manifestaram dúvidas sobre a viabilidade da principal proposta do prefeito de São Paulo, José Serra (PSDB), para reduzir o peso do endividamento do município. Serra sugeriu ao Ministério da Fazenda a troca do indexador que corrige a dívida da prefeitura com a União. Todos os contratos firmados pelo Tesouro com Estados e municípios que tiveram suas dívidas refinanciadas por Brasília na década de 90 adotaram como indexador o IGP-DI, um índice de preços que disparou nos últimos anos. Serra quer que ele seja substituído pela Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP). Referência para os empréstimos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para empresas privadas, a TJLP é a menor taxa de juros disponível na praça. Uma empresa que tivesse tomado R$ 100 emprestados pela TJLP há cinco anos teria hoje uma dívida de R$ 157 para pagar. No mesmo período, as dívidas de Estados e municípios com a União subiram 170% com a ação do IGP-DI. Serra deseja que a troca de indexador tenha efeito retroativo, ou seja, valha desde o início do contrato da prefeitura com o governo federal, que foi assinado em 2000. Quando o tucano assumiu a prefeitura, a dívida do município com Brasília era de R$ 31,5 bilhões, o equivalente a 2,4 vezes a receita anual de São Paulo. O limite estabelecido pelo Senado para os municípios é 1,2. Para alguns dos participantes do debate na Casa das Garças, a troca de indexador poderia ajudar a prefeitura a se enquadrar no limite legal, mas transferiria para o governo federal uma parcela maior dos custos envolvidos no financiamento das dívidas da cidade. Além disso, seria uma maneira de empurrar o problema com a barriga sem encontrar uma solução muito duradoura. O ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga foi um dos que manifestaram essa preocupação. "Lá na frente a coisa vai explodir no colo de alguém porque a dívida está divergindo [dos limites legais] ao invés de convergir", disse. O ex-secretário-executivo da Fazenda Amaury Bier, atualmente sócio de Fraga na Gávea Investimentos, concordou e sugeriu que a escolha da TJLP como indexador seria inadequada. Bier sugeriu que a troca de indexador com efeitos retroativos seria equivalente a um perdão de parcela da dívida paulistana. O economista Fábio Giambiagi, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e colunista do Valor, classificou a proposta de Serra como uma "aberração jurídica" que causaria prejuízos evidentes para o caixa do Tesouro. Serra reagiu a essas manifestações com ironia. Quando Bier lhe perguntou se a idéia da TJLP não seria apenas uma proposta para "radicalizar o debate", o prefeitou cortou-o: "Então me sugira, acho ótimo." Bier ficou de pensar. Quando Giambiagi estava falando, foi interrompido por um gracejo: "Para o Fábio, os problemas do Brasil se resumem a diminuir, aumentar o superávit primário." Serra transmitiu a idéia de que a falta de enquadramento da dívida paulistana é um problema insolúvel se as regras não forem alteradas. Além da troca do indexador, ele quer que o limite para o endividamento dos municípios seja equivalente ao dos Estados, cujas dívidas podem representar até duas vezes a receita anual. O prefeito indicou durante o debate que a prefeitura continuaria fora do limite se essas mudanças fossem feitas, mas essa distância ficaria menor e seria mais fácil de administrar. Serra definiu sua proposta como "um estratagema para poder salvar a cara e resolver um problema que de outra maneira é insolúvel". Reduzir os índices de endividamento da prefeitura com as regras atuais exigiria um enorme esforço. De acordo com cálculos apresentados na reunião pelo economista José Roberto Afonso, assessor da liderança do PSDB na Câmara dos Deputados e um antigo colaborador de Serra, seria preciso cortar mais de 65% da verba disponível no orçamento para custeio ou aumentar em 82% a arrecadação da prefeitura. Na avaliação do prefeito, aliviar o peso da dívida da prefeitura seria uma forma de eliminar uma distorção que, além de prejudicar a administração do município, dissemina a impressão de que o equilíbrio fiscal do setor público está ameaçado. "É uma farsa, em algum momento vai ter que se fazer um casuísmo e quanto mais tempo passar é pior", afirmou Serra. "Esta questão fica infeccionando tudo." (RB)