Título: Qualidade dos lucros da empresa não é vista com Ebitda
Autor: Luciano Snel
Fonte: Valor Econômico, 12/05/2005, EU &, p. D2

O termo Ebitda significa lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização (earnings before interest, taxes, depreciation and amortization) e é uma medida muito utilizada no mundo financeiro como parâmetro na análise de empresas. A utilização do Ebitda tomou proporções exageradas na área de investimentos. O investidor deve utilizar com cautela o tão famoso múltiplo "EV/Ebitda" (valor de mercado somado aos endividamento líquido dividido pelo Ebitda) em seu processo de análise. O Ebitda é uma medida de geração de caixa em sua forma mais bruta. A sua própria denominação distorce o seu significado: Ebitda representa a geração de fluxo de caixa (não o lucro) antes das mais variadas e reais despesas possíveis. Por que, então, esta medida tem sido tão utilizada e disseminada? Durante os anos 80, as ondas de fusões e aquisições de empresas e os chamados "leveraged buyouts" (aquisições alavancadas) trouxeram à tona o uso de lucros antes de juros, impostos, depreciação e amortização. Alternativamente conhecido como Ebtida, era utilizado por bancos de investimento e seus clientes para estimar, aproximadamente, o tamanho do endividamento que as operações de uma companhia poderiam suportar. O Ebitda é relevante para se determinar fluxo de caixa no seu extremo (como análises de rating de empresas com risco de crédito mais alto). A idéia é que, em períodos difíceis, uma companhia poderia cortar investimentos para pagar juros e principal. Mas até que ponto os investimentos são realmente discricionários? Dentre as suas deficiências, a medida ignora a probabilidade de que, no futuro, em média, as companhias irão reinvestir as despesas de depreciação correntes em novos equipamentos e manutenção. Assumir que isto não é um custo hoje é ignorar os investimentos que uma empresa terá de realizar no futuro. O múltiplo EV/Ebtida começou a ser mais largamente usado pelos bancos de investimento nos EUA quando os múltiplos mais tradicionais, como Preço/Lucro, atingiram níveis estratosféricos e eles precisaram de um indicador com múltiplos mais baixos para comercializar suas operações de mercado de capitais. Pelo visto, poderíamos acabar chegando na medida de EBE - Earnings before Expenses (Lucro antes de Despesas)! Existe um outro fator na indústria de investimentos que estimula o uso, feito pelos analistas, da medida Ebitda: ele é um indicador muito mais fácil de se projetar (e acertar) do que o lucro líquido de uma empresa, pois este último envolve outras contas mais difíceis de se estimar, como despesas financeiras e impostos. É raríssimo encontrarmos estudos ou teses acadêmicas sobre o mercado de ações que utilizem a medida Ebitda como parâmetro para definir os preços ou a performance das ações. Os indicadores mais utilizados em estudos acadêmicos são Preço/Valor Patrimonial, Preço/Lucro Líquido e Dividendos/Preço. Por incrível que pareça, o lucro líquido corrente é um melhor indicador sobre a capacidade de geração futura de caixa de uma empresa do que seu fluxo de caixa atual medido pelo Ebtida. O Ebitda não diz nada sobre a qualidade dos lucros da empresa. Empresas apresentando o mesmo Ebitda podem estar passando por momentos totalmente distintos de rentabilidade. Além disso, esta medida não leva em conta diferenças no planejamento tributário e na estrutura de capital das companhias. Em alguns casos, as empresas também costumam enfatizar a parcela das contas de suas demonstrações financeiras que melhor lhes convêm. Os diretores de companhias sólidas e rentáveis costumeiramente se referem ao lucro líquido, enquanto empresas em condições não tão satisfatórias (ou ainda em desenvolvimento) focam as atenções em crescimento da receita. Algumas citam margens operacionais, que aparentam estar mais robustas que seu lucro líquido. Aquelas com uma boa história de Ebtida falarão sobre ele. É dever do investidor questionar a motivação que leva uma companhia a enfatizar uma medida ou outra. Infelizmente, o uso do Ebitda evoluiu de sua posição original como uma ferramenta válida para avaliar créditos em situações difíceis para uma nova posição, com aplicação generalizada a qualquer companhia, independente de suas circunstâncias. Na gestão de portfólios, o investidor deve estar particularmente focado no lucro líquido e na capacidade de geração de dividendos das empresas. Como investidores, a única fonte de caixa que receberemos serão os dividendos provenientes do lucro da empresa, já após os credores financeiros e o governo terem coletado as suas respectivas parcelas do bolo.