Título: Philip Morris quer apoio oficial para cigarro 'seguro'
Autor: Carolina Mandl
Fonte: Valor Econômico, 15/10/2004, Empresas, p. B-7

"O Ministério da Saúde adverte: fumar esse cigarro é menos prejudicial à saúde." O alerta pode parecer estranho no momento em que diversos países tentam reduzir o consumo de um produto que causa 4,9 milhões de mortes por ano, sendo o maior responsável pelos tipos de mortes evitáveis. Mas é justamente isso o que a Philip Morris, maior fabricante de cigarros do mundo, está buscando: o apoio do governo para desenvolver produtos que, segundo ela, podem ser menos prejudiciais à saúde. Neste ano, a companhia deu início ao teste em nível mundial com consumidores do Accord, um cigarro aquecido. Em vez de queimar o fumo, os usuários esquentam o produto em uma máquina do tamanho de um controle remoto. Ao ser aquecido, segundo a Philip Morris, reduz-se o número de substâncias liberadas pelo cigarro, que é de cerca de 4 mil num produto aceso com fogo. Depois de quente, o cigarro Accord, ainda dentro do aquecedor, é aspirado. O produto foi lançado em 1998 e começou a ser testado pela Philip Morris americana. Agora, voluntários da Inglaterra e da Suíça fazem parte das experiências. Hoje, a máquina custa US$ 50, e o cigarro, 50% mais do que o convencional. Segundo a empresa, testes feitos em 2003 concluíram que o Accord reduziu em 50% a exposição à nicotina. Além de mais pesquisas para comprovar que esse cigarro é "menos perigoso", a Philip Morris terá de mudar o hábito do consumidor. O Accord não produz fumaça e nem cinzas. O sabor também é menos acentuado para quem está acostumado com cigarros mais fortes. Para vencer essa barreira, a Philip Morris também está testando filtros mais eficientes e até tabacos geneticamente modificados. E por que desenvolver um cigarro menos perigoso se o mundo inteiro luta para acabar com o vício? "O cigarro continuará a existir, então é melhor reduzir o malefício que ele traz às pessoas. Sabemos que o cigarro faz mal. Então esse é um jeito responsável de continuar no negócio", diz Chris Nelson, gerente de assuntos de regulamentação da Philip Morris International. Os dados usados pela Philip Morris para mostrar a "longevidade" do cigarro vem de um estudo da Organização Mundial da Saúde (OMS). Esse levantamento mostra que, se todas as iniciativas de combate ao fumo forem bem sucedidas, o número de fumantes cairá 1% ao ano, o que é considerada uma taxa de sucesso pela OMS. Por causa do crescimento da população, nos próximos 50 anos, a quantidade de fumantes no mundo ainda será a mesma de hoje. Para criar esses produtos "menos perigosos", a proposta da Philip Morris é que os governos ajudem no desenvolvimento desses produtos. "Se nós falarmos que eles são menos perigosos, ninguém vai acreditar", afirma Nelson. Assim, para a empresa, é o governo que deveria fazer testes epidemiológicos para comprovar a nocividade menor dos cigarros e estabelecer o que seria considerado um cigarro "menos perigoso". De acordo com Nelson, outro ponto que pede o envolvimento do governo no assunto é o perigo que pode surgir na forma como os produtos menos nocivos são divulgados. "O problema é saber se mais pessoas não vão começar a fumar ou a fumar mais ao se dizer que o cigarro é menos perigoso. O que afirmamos é que não há nenhum cigarro seguro", sustenta Nelson. Para a OMS, no entanto, nenhum governo deveria se envolver nessa questão. "Não existe cigarro seguro, então por que gastar dinheiro com isso?", diz a médica brasileira Vera Costa e Silva, diretora mundial do programa de combate ao tabaco da OMS. A entidade calcula que o gasto com doenças relacionadas ao fumo seja de 15% da verba governamental para a saúde por ano. "O único cigarro seguro é aquele que fica longe das pessoas", diz Vera. A médica explica que, até hoje, nenhum estudo sobre o cigarro foi totalmente comprovado cientificamente porque cada pessoa fuma numa intensidade e de uma maneira. "Dessa forma a OMS não pode apoiar estratégia que visa a manutenção da indústria tabagista." No Brasil, a postura defendida pelo Instituto Nacional de Câncer (Inca), órgão responsável pelo combate ao fumo no país, é a mesma. "Tudo o que as indústrias querem é o aval do governo. Hoje os países trabalham para combater o fumo. Se o governo diz que existe um cigarro menos perigoso, soa como se falasse que não é preciso parar de fumar", explica Tânia Cavalcante, chefe da divisão de controle de tabagismo do Inca. Estudos da OMS mostram que o consumo de cigarro vem caindo em países desenvolvidos e subindo nos subdesenvolvidos. Para a Philip Morris, os volumes comercializados nos EUA caíram de 2002 para 2003, enquanto no resto do mundo subiu 1,8%, impulsionados pelo aumento do consumo e aquisições. Nesse período, sua receita cresceu 6%, para US$ 50,3 bilhões. A British American Tobacco, segunda maior produtora de cigarros e controladora da Souza Cruz, também quer o apoio do governo para desenvolver cigarros "menos perigosos". Para ela, os países poderiam estabelecer limites daquilo que é tido com "mais seguro".