Título: Lei estimula repatriação de lucros para os EUA
Autor: Cristiane Perini Lucchesi
Fonte: Valor Econômico, 15/10/2004, Finanças, p. C-1

No Brasil pouca gente notou, mas, na segunda-feira, em pleno feriado de Dia de Colombo nos Estados Unidos, o Senado americano aprovou uma lei que dá incentivos fiscais à repatriação de lucros e dividendos em 2004 e 2005. Pela lei, que precisa da sanção presidencial, as multinacionais americanas que enviarem de volta aos EUA mais lucros do que a média de três anos (últimos cinco anos, desconsiderando-se o maior e o menor valor) podem pagar impostos de 5,25% sobre o excedente, na comparação com os 35% de taxas usuais. Investidores já comentavam ontem o possível impacto da medida para o câmbio no Brasil e faziam contas. "A lei criou mais um elemento de incerteza a pressionar o câmbio em um dia ruim no mundo todo, de aversão ao risco e de redefinição de preço dos ativos dos mercados emergentes ", disse Alexandre Vasarhelyi, responsável pela mesa de câmbio do ING. O dólar subiu 1,16%, para fechar a R$ 2,8730.

"Aqui e ali eu estou começando a ouvir falar sobre o impacto da lei de repatriação no real", afirmou o economista-chefe do ABN AMRO, Mário Mesquita. Ele evitou fazer estimativas, mas não alterou sua previsão para o dólar do final do ano -de R$ 2,80 a R$ 2,90. Destacou, no entanto, que a lei é "um fator de risco a ser monitorado". Ele lembrou que o estoque de investimento externo americano no Brasil é de aproximadamente US$ 36 bilhões. O Banco Central não divulga os números por país, mas, no ano passado, a remessa de lucros e dividendos para fora do Brasil foi de US$ 5,6 bilhões. Neste ano, até agosto, já chegou a US$ 4,575 bilhões. "Os lucros das empresas estão crescendo neste ano no Brasil e é de se esperar que, nesse cenário, elas façam remessas maiores", disse o economista-chefe do Bradesco, Octavio de Barros. Como o volume das remessas começa crescer sazonalmente agora, o Departamento de Economia do Bradesco estima que o total deve chegar a US$ 7,6 bilhões até o final deste ano, sem considerar os impactos da nova lei de repatriação. O estoque total de investimentos externos no Brasil é de US$ 135 bilhões, sendo 27% oriundo dos Estados Unidos, portanto. Se a mesma proporção for mantida para efeitos de repatriação de lucros e dividendos, dos US$ 7,6 bilhões, US$ 2 bilhões são para o mercado americano. O quanto esse valor poderia crescer em função da nova lei ainda é incerto. "Em princípio, não acredito que a lei tenha maiores efeitos sobre a cotação do real", afirma Octavio de Barros. Ele acha que as empresas americanas tenderão a reinvestir no Brasil se o crescimento da economia se mantiver. Os termos definitivos da lei ainda não foram aprovados, por isso empresas ainda devem estar esperando para tomar uma decisão. A previsão é que a sanção do presidente George Bush ocorra ainda na semana que vem, apesar da oposição do secretário do Tesouro, John Snow. Parece fazer sentido que as empresas que pretendiam repatriar lucros para os Estados Unidos depois de 2005 procurem antecipar ao máximo esse movimento para antes disso, segundo análise de Tony Norfield, do ABN AMRO em Londres. Em relatório divulgado ontem, ele calcula que os lucros e dividendos acumulados de empresas americanas fora do país cheguem a US$ 350 bilhões, mas estima que cerca de US$ 200 bilhões devem efetivamente ser repatriados. Desses, cerca de US$ 100 bilhões a US$ 50 bilhões estão em outras moedas que não o dólar, muitas vezes fora de paraísos fiscais. Ele estima que o dólar poderá se fortalecer de 3% a 5% contra o euro, em um mercado de câmbio euro versus dólar estimado em US$ 500 bilhões por dia. Estudo do JP Morgan de junho calcula o potencial de repatriação em US$ 500 bilhões.