Título: ONU quer fortalecer defensorias
Autor: Thiago Vitale Jayme
Fonte: Valor Econômico, 15/10/2004, Legislação, p. E-1

Os magistrados terão muito trabalho para defender o Judiciário junto ao relator da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre a independência de juízes e advogados. O representante da instituição em visita ao Brasil desde quarta-feira, Leandro Despouy, recebeu cardápio variado de reclamações e denúncias contra os serviços prestados pelos tribunais brasileiros. O argentino deixou ontem Brasília rumo a São Paulo e adiantou um dos principais pontos a serem destacados por ele no relatório a ser entregue à Comissão de Direitos Humanos da ONU: recomendará ao país o fortalecimento e a autonomia das defensorias públicas. "Quase todos os interlocutores me fazem ver a necessidade de recomendar um reforço claro da defensoria pública. Preciso verificar no interior e em outros locais, mas creio que essa é uma das principais reivindicações", adiantou Despouy. Há hoje no Brasil apenas 111 defensores públicos. A proposta de ampliação dos poderes das defensorias consta do texto da proposta de reforma do Judiciário em tramitação no Senado. O relator definiu o segundo dia da visita ao Brasil como mais produtivo do que o anterior. Ele participou de audiência pública com movimentos sociais pela manhã e à tarde encontrou-se com integrantes do Ministério Público, do Executivo e das Nações Unidas no Brasil. As críticas ao Judiciário foram ácidas, principalmente pela manhã, no encontro com a sociedade civil organizada. A advogada do movimento Terra de Direitos, Luciana Furquin, foi das mais críticas aos juízes durante os minutos nos quais falou a Despouy. Ela criticou a forma como os juízes tratam de questões relativas às disputas de terras no país, afirmando que "os juízes se aliam aos interesses dos latifúndios", e o funcionamento da Justiça Militar. A principal reclamação recaiu sobre a prerrogativa dos tribunais militares de julgar delitos de militares cometidos contra civis. A mesma reclamação foi feita pelo secretário especial dos Direitos Humanos, Nilmário Miranda, durante encontro com Despouy na tarde de ontem. "Eu disse a ele que há uma luta muito antiga para mudar a legislação no sentido de tirar essa prerrogativa da Justiça Militar", disse o ministro. Na conversa com o ministro, Despouy fez elogios ao momento vivido pelo Brasil. "Há uma dinâmica de transformação no Brasil", disse o relator. O ministro também fez críticas. "Disse a ele que o principal problema é a lentidão na prestação jurisdicional." Despouy perguntou a Nilmário sobre o poder de investigação do Ministério Público. A questão tem sido abordada pelo relator da ONU em todas as conversas dele até agora no Brasil. "Vou conversar sobre esse assunto com procuradores, promotores e juízes na minha viagem", disse Despouy, que se manifestou favoravelmente ao poder de investigação dos procuradores em reunião com a Associação Nacional dos Membros do Ministério Público, na quarta-feira. Despouy também tratou da questão com a procuradora federal dos direitos do cidadão, Ela Wiecko. Recebeu dela reclamação sobre a forma de escolha dos ministros dos tribunais superiores. Hoje, o presidente da República escolhe praticamente ao seu gosto os novos integrantes das principais cortes do país. O deputado federal Luiz Couto (PT-PB) também recebeu o relator da ONU. "Falei com ele da vinculação de advogados e juízes com as ações criminais e mostrei a ele que os magistrados brasileiros não respeitam tratados internacionais ratificados pelo Brasil", informou o parlamentar. Ele foi presidente da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investigou a ação de grupos de extermínio no Nordeste. "Debatemos também medidas para melhorar a proteção aos defensores dos direitos humanos", disse Couto. Hoje Despouy participa de novas reuniões em São Paulo. Depois, seguirá para Porto Alegre, Recife e Belém. Até abril de 2005 entregará seu relatório final.