Título: Câmbio já afeta investimento, alerta Barros de Castro
Autor: Vera Saavedra Durão
Fonte: Valor Econômico, 16/05/2005, Brasil, p. A3

O diretor de Planejamento do BNDES, Antonio Barros de Castro, admitiu frustrações com os rumos da economia brasileira que vêm impactando o desempenho do banco. Ele garantiu ao Valor que a instituição está "numa ofensiva" para tentar desembolsar este ano seu orçamento de investimentos de R$ 60 bilhões, apesar de ter sido surpreendida pelo comportamento da Selic e do câmbio. "Nas nossas previsões anteriores jamais supúnhamos que elas tivessem essa trajetória e esperávamos reduzir a TJLP." Castro destacou que a mudança dos preços relativos introduzidos na economia com a valorização cambial "no mínimo mudou o ânimo dos investidores num momento em que estavam começando a surgir projetos centrados na exportação, que agora estão sendo repensados". Na ótica do economista, estudioso da indústria, o câmbio está introduzindo uma indeterminação forte quanto ao rumo da economia, provocando um estresse em vários sentidos. Primeiro, porque a economia brasileira tem cadeias produtivas longas, contrastando com as "maquiladoras" do México. Quando a cadeia é interna, explica Castro, o coeficiente de importação é modesto e o que se tem é um impacto desestimulante. O Brasil também tem uma enorme heterogeneidade regional. "O dólar do Mato Grosso mata o Rio Grande do Sul", diz se referindo às divisas obtidas com commodities no Centro-Oeste e às dificuldades enfrentadas pela indústria calçadista no Sul. Essas diferenças tornam o cenário macroeconômico "extremamente tensionante", reconhece. "E fica muito mais complexo visualizar o futuro", observa. A heterogeneidade regional do Brasil complica enormemente a situação, volta a frisar. "O mínimo que este raciocínio sugere é que não dá para ter um câmbio inteiramente livre num país de grandes diferenças e onde as produtividades estão crescendo a ritmo muito diverso", ensina Castro. Para ele, o câmbio valorizado tem o efeito de "tensionar a estrutura da economia". No atual contexto, o diretor do BNDES reconhece que o juro alto "estrangula o curto prazo", mas "a turbulência cambial torna opaco o futuro". O juro, ressalta, tem outros efeitos deletérios como expandir a dívida, enquanto o câmbio torna extremamente incerto o longo prazo. "É verdade que as exportações continuam crescendo, mas no mínimo o que nós podemos dizer, visto da ótica do banco, é que investimentos estão sendo repensados logo agora que o Brasil estava descobrindo uma surpreendente vocação exportadora." Para ele, a consolidação dessa vocação requer inversões focadas no mercado externo e o câmbio valorizado como se vê, no mínimo leva ao questionamento desses investimentos. "Estavam começando a surgir investimentos centrados na exportação que estão sendo repensados. Não é uma atitude açodada, mas é que o ânimo do investidor arrefeceu." Castro se disse também frustrado com o desempenho do banco até abril, principalmente com alguns dados, como a queda "chocante" de 78% nas operações indiretas do BNDES Exim para as operações de pré-embarque, e a retração de 35% no crédito para agricultura (decorrente em boa parte da frustração da safra e do fim de um ciclo de modernização do setor). Os dados acumulados informaram ainda uma redução de 1% nos desembolsos e de 6% nas consultas, que sinalizam intenção de investimento. No tocante às consultas, porém, o economista ressalvou que houve uma queda grande em janeiro (60%) e também queda em fevereiro por razões excepcionais de base de comparação, mas houve recuperação em março e abril, quando as consultas cresceram, respectivamente 31% e 35%. "Isto já é um sinal positivo." Até agora, porém, não houve desistência nos grandes projetos e poucos foram adiados em infra-estrutura e insumos básicos. Na área de investimento para exportação é que aconteceram algumas desistências, segundo Castro. Nas compras de bens de capital "sem rodas", porém, o crescimento se mostra vigoroso, com expansões mensais entre 23% a 26% nos últimos quatro trimestres em relação ao trimestre imediatamente anterior. Essa demanda extraordinária por máquinas e equipamentos significa que os industriais estão buscando aumentar a produtividade de suas fábricas, avalia Castro. "É uma corrida para a produtividade, uma preparação para as novas oportunidades que estão sendo antevistas em termos de exportação e já é talvez uma preparação para enfrentar os chineses." Tal opção por máquinas e equipamentos para modernização não vai gerar novas fábricas no curto prazo, reconhece o economista. Na sua análise, esse aproveitamento das mesmas estruturas significa que o país pode ter dois a três anos de crescimento sem nenhum salto na taxa de investimento. "Os empresários estão aguardando definições mais claras sobre o futuro do país e sobre quais serão as especializações do Brasil", avalia. Ele no entanto é pessimista quanto a dar saltos na taxa de investimento, pois há muitas indeterminações quanto ao futuro e o consumo ainda está muito contraído, além da divisão que vivem os investidores em relação ao câmbio. A necessidade é de fomentar atividades produtivas para sustentar um país continente, alerta. O quadro atual é a seu ver de "crescimento de transição", centrado no potencial futuro das empresas, que se preparam para entrar numa trajetória sustentada de longo prazo para a qual é preciso reerguer uma máquina de crescer. Por isso, Castro ressalta que o banco está trabalhando para apresentar novas medidas e novas propostas na direção de um crescimento centrado na qualidade do investimento com inovação, que poderá levar ao aumento da taxa de investimento, mesmo que gradualmente. "Estamos numa ofensiva, reduzindo spreads, criando novas linhas para máquinas e equipamentos. Vamos continuar na batalha para chegar aos R$ 60 bilhões, mesmo em condições mais difíceis." No cenário que desenha para o país, Castro tem "absoluta certeza" de que "não se trata de um vôo de galinha, mesmo com este câmbio e este juro". E é exatamente por isso, realça. O vôo de galinha se dava, segundo ele, quando a economia batia numa muralha e a demanda desabava. A indústria passava de um crescimento de 6% a 7% para zero ou menos 1%. "O que temos hoje não é absolutamente a hipótese do desabamento. A ameaça hoje, a curto prazo, é de um fenômeno desconhecido há muito tempo que é uma evolução regular e medíocre. Nós éramos medíocres na média, mas esta média se compunha de arrancadas positivas e desabamentos. Isto acabou, é passado. Nós podemos até ter uma trajetória medíocre, se mantivermos esse rumo, mas ela será de muito maior regularidade, não será um vôo de galinha", constatou.