Título: País retoma negociação sobre inspeção nuclear
Autor: Ricardo Balthazar
Fonte: Valor Econômico, 18/10/2004, Brasil, p. A-2

Autoridades brasileiras voltarão a discutir nesta semana com a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) a maneira como os inspetores da organização poderão fiscalizar a planta de enriquecimento de urânio que o país está construindo em Resende (RJ). As negociações entre o Brasil e a agência estavam suspensas há quase um ano e meio. Três funcionários da AIEA estarão no Brasil para uma série de reuniões com técnicos da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN), de hoje até quarta-feira. Amanhã, os inspetores deverão visitar as instalações de Resende, onde é fabricado o combustível que alimenta as duas usinas nucleares de Angra dos Reis (RJ). As instalações de Resende são monitoradas pela agência há muitos anos, mas falta definir como os inspetores farão seu trabalho na unidade de enriquecimento, que ainda não está em operação. O governo deixa que os fiscais circulem no lugar, mas impede que vejam as máquinas de enriquecimento, que são encobertas por painéis metálicos. O governo acredita que a tecnologia adquirida pelo país com o desenvolvimento dessas máquinas tem valor comercial e deseja preservá-la da curiosidade de observadores estrangeiros. Além disso, o Brasil argumenta que os inspetores da AIEA têm instrumentos para cumprir sua missão e controlar a circulação de material nuclear em Resende mesmo sem ver as máquinas. Existem cerca de 400 máquinas instaladas em Resende. São centrífugas que processam o urânio girando velozmente para separar as partículas mais adequadas para a produção de energia. Elas representam pouco mais de 1% da capacidade que a planta terá quando for concluída, em 2010. Há meses essas máquinas estão prontas para enriquecer urânio, mas a queda-de-braço com a AIEA fez o governo brasileiro adiar o início da operação. Nos últimos meses, gestões diplomáticas reduziram a tensão entre o país e a agência e abriram caminho para a retomada das negociações. Chegou-se a um acordo de princípios genéricos, pelo qual a agência reconhece o direito do Brasil de proteger sua tecnologia e os brasileiros admitem que isso não pode impedir os inspetores de fazer seu trabalho. Mas faltam detalhes para que se chegue a um acordo definitivo sobre Resende. O que os funcionários da CNEN e da agência vão discutir agora é como estabelecer procedimentos para a planta de Resende que atendam esses dois princípios. O Brasil propõe que os painéis sejam reduzidos, com frestas em cima e embaixo que permitiriam ver as tubulações que ligam as centrífugas. Câmeras e outros equipamentos serviriam para garantir a ausência de tubulações clandestinas que poderiam desviar material nuclear. Pode ser pouco. Sem uma visão completa da planta de enriquecimento, os fiscais da AIEA podem concluir que não têm como ter certeza absoluta de que não há nada escondido atrás dos painéis, mesmo com todos os aparelhos instalados do lado de fora. Outra dificuldade é que a agência deseja definir procedimentos para a planta inteira e o Brasil prefere ir devagar, detalhando por enquanto apenas o que será feito para verificar as centrífugas que estão prontas para operar. Detalhes técnicos vão dominar a discussão desta semana, mas o pano de fundo da conversa é político. Ninguém tem dúvidas sobre o caráter pacífico do programa nuclear brasileiro, mas a AIEA teme que seu poder de persuasão em situações delicadas como a do Irã e a da Coréia do Norte diminua se o tratamento recebido pelo Brasil for visto nesses lugares como mais benevolente do que o que eles recebem.