Título: Lamy terá margem de ação limitada na OMC
Autor: Assis Moreira e Raquel Landim
Fonte: Valor Econômico, 16/05/2005, Brasil, p. A4

Pascal Lamy, ex-comissário de comércio da União Européia (UE), será formalmente apontado o próximo diretor-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC) no dia 26, para um mandato de quatro anos que começará em 1º de setembro. Lamy é reconhecido como extremamente capaz para dirigir uma instituição do porte da OMC e dará uma nova dimensão ao cargo. Mas no início sua capacidade de articulação na Rodada Doha será limitada. De um lado, pelas suspeitas alimentadas pelo apoio que o elegeu. De outro, pelas convicções que propagou ao longo dos anos. "Quem elegeu Lamy foi uma aliança retrógrada UE-ACP (países da África, Caribe e Pacífico) que se mostrou imbatível e é um perigo para nós", diz um embaixador sul-americano. "O que aconteceu não foi afrontamento Norte-Sul (entre ricos e pobres), mas algo pior, foi puro clientelismo (sistema de troca de favores)", reclama outro embaixador do Caribe. Lamy obteve os votos dos ACP graças à sua posição pela manutenção do sistema de preferências comercial, que permite a esses países acesso privilegiado à UE e outros mercados ricos para produtos como açúcar e banana, em detrimento de produtores competitivos da América Latina, por exemplo. O problema é que a UE resiste a reduções importantes de suas alíquotas agrícolas, justamente argumentando que se deve evitar a "erosão de preferências" dos ACP. Além disso, Lamy tem defendido uma nova divisão entre países em desenvolvimento. Concessões seriam feitas para os mais pobres, deixando de fora os de renda média como Brasil, Índia e China. Só há um detalhe: se não dá realmente para comparar Brasil e Burkina Faso, de outro lado a regra do jogo, que é o mandato da Rodada Doha, não prevê a graduação entre países em desenvolvimento. Com uma clara visão sobre a gestão da globalização, Lamy tem defendido reforço dos vínculos entre comércio com meio-ambiente e com normas sociais. Também lançou a idéia de se permitir que um país decida individualmente com quem poderia negociar com base em idênticos valores (por exemplo, proibindo comércio de carne com hormônios), em vez de se submeter às regras internacionais. São temas que têm tudo para ressurgir, tanto pela preocupação de consumidores, como pelo pouco apoio hoje na cena internacional à nova liberalização comercial. Mas países em desenvolvimento em geral consideram que tudo isso traz sobretudo risco de mais protecionismo para frear suas exportações agrícolas. Qualquer diretor-geral defenderá os países mais pobres. Mas ir contra a liberalização, como querem UE e ACP, é outra coisa e a lua-de-mel de Lamy com os países ACP não tem como prosperar. Clientelismo tem limites pela própria margem de ação do diretor-geral da OMC. Seu único poder formal é contratar ou demitir funcionários do secretariado (são cerca de 500). Ë verdade que Lamy pode modificar essa situação pela sua estatura internacional. Sua capacidade de ação será nos bastidores, utilizando a rede de contatos com os ministros mais importantes para tentar superar divergências. Mas antes ele precisará ultrapassar o "fosso de credibilidade", na expressão de um negociador. Ao assumir em setembro, Lamy terá só três meses para empurrar a Europa a fazer difíceis concessões na área agrícola e nações como o Brasil a comprometer-se com maior abertura de seu mercado a produtos industriais estrangeiros. Do contrário, a Rodada Doha entrará em sérias dificuldades em dezembro, na conferência ministerial de Hong Kong. A escolha de Lamy para o cargo máximo da OMC provocou polêmica entre especialistas e empresários brasileiros. Enquanto alguns elogiam sua capacidade de obter consenso, outros afirmam que ele era a pior opção. Todos criticam a estratégia adotada pelo Brasil na eleição, que só anunciou o apoio ao candidato uruguaio no último momento. Para Marcos Sawaya Jank, presidente do Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais (Icone), achar que Lamy vai defender os interesses da UE é uma idéia falsa. "Ele será um funcionário internacional." Antônio Donizeti Beraldo, chefe do departamento econômico da Confederação de Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), lamenta a derrota de del Castillo e critica o Itamaraty. "Se o Brasil tivesse se empenhado mais cedo, o resultado poderia ter sido outro." O presidente do conselho de comércio exterior da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Rubens Barbosa, não está preocupado com a eleição de Lamy. "É com o PT no Brasil, que age de forma até mais cautelosa." Já Humberto Barbato, diretor de comércio exterior do Centro das Indústrias do Estado de São Paulo (Ciesp), não acredita na imparcialidade do francês. Mas não crê que Lamy comprometerá as negociações, pois o surgimento do G-20, grupos de países em desenvolvimento que pede o fim dos subsídios agrícolas, mudou o jogo.