Título: Lei alemã empresta selo de qualidade às microcervejarias
Autor: Rodrigo Uchôa
Fonte: Valor Econômico, 16/05/2005, Empresas &, p. B6

Cerveja alemã feita no Brasil. Parece estranho à primeira vista, mas é assim que pequenas cervejarias estão tentando se diferenciar e conquistar o consumidor: elas adotam os procedimentos da Lei de Pureza da Baviera, do século XVI, a mais antiga legislação de controle de produção de alimentos em vigor no mundo. Com isso, esperam mostrar um "selo de qualidade". Para muitas microcervejarias - e até mesmo para as médias - isso está dando certo e elas acabam criando uma leva de fãs. A Lei de Pureza (Reinheitsgebot) é de 1516 e foi instituída pelo duque Wilhelm IV, da Baviera. Ele teria se enfurecido com as cervejas bávaras, pois os cervejeiros que tentavam "inovar" adicionavam elementos como fuligem e até cal para "melhorar" a cerveja. Provavelmente após uma grande ressaca, Wilhelm determinou que só poderiam ser usados na cerveja os seguintes ingredientes: cevada, lúpulo e água pura. O fermento foi incluído depois, já que não era conhecido à época. Além disso, ele delimitou os processos de produção. As grandes cervejarias barateiam seus produtos ao adicionar arroz ou milho, em vez de usar o puro malte de cevada. Elas afirmam que assim se chega a uma cerveja mais leve e suave que a obtida exclusivamente com o malte de cevada. Pois as pequenas vão na contramão, tentando dominar um nicho que cresce no mundo todo. "Com as grandes marcas dominando o mercado nacional [AmBev, Kaiser e Schincariol, que possui mais de 90% dele], começou a se notar no Brasil o desdobramento de um fenômeno que já é mundial e ficou conhecido como 'The Craft Beer Renaissance' [renascimento da cerveja artesanal]", diz o advogado de patentes e especialista em marketing de marcas André Azevedo Lyra. As pequenas cervejarias respondem hoje por 9,8% do mercado brasileiro de 84,5 milhões de hectolitros por ano, sendo que o consumo dessas cervejas artesanais tem, segundo Lyra, perspectiva de crescimento de pelo menos três pontos percentuais para os próximos quatro anos. Hoje, estão catalogadas 57 empresas na Associação Brasileira de Microcervejarias (ABMIC). Pelos cálculos da associação, com um capital inicial de R$ 300 mil dá para montar uma microcervejaria produzindo 10 mil litros ao mês. "Há uma perspectiva boa para as pequenas e médias regionais. Adotar a Lei de Pureza acaba dando a elas uma aceitação impressionante entre os consumidores", diz o mestre cervejeiro Marcelo Ibrahim, que dá consultorias para os microcervejeiros iniciantes. Obviamente o primeiro problema dessas microcervejarias é a distribuição. A Baden Baden, de Campos do Jordão, ou a Eisenbahn, de Blumenau, podem ser encontradas nas prateleiras do Pão de Açúcar, o que, para elas, é quase como ganhar um salto triplo olímpico. No Rio de Janeiro, a Devassa abriu 170 pontos-de-venda no Estado, além de já ter uma rede de bares com unidades próprias e franquias. Outras apostam mesmo na regionalização. A Continental apresenta-se como "o chopp 100% reibeirãopretano". Já o conceito de fabricar e vender no mesmo lugar persiste em poucas. Na Krug, de Belo Horizonte, fundada em 1997, não há planos de engarrafar o produto. Com capacidade de 40 mil litros por mês, a Krug é a "maior pequena" de Minas Gerais e baseia sua estratégia de expansão na conquista pela qualidade. "Trazemos os ingrediente básicos da Áustria. Não abrimos mão disso", diz Fernanda Andrade, que responde pelo marketing da cervejaria mineira. A aposta das microcervejarias é de que a expansão econômica de aproximadamente 5% no Brasil se repita nos próximos anos e tenha reflexo diretamente no crescimento de consumo. "É uma aposta ousada, pois o mercado de cerveja enfrenta adversários de peso em todo o mundo", diz Marcelo Ibrahim. Nos EUA - país cuja produção de aproximadamente 240 milhões de hectolitros anuais não é superada pela de nenhum outro país -, a Anheuser-Busch, maior cervejaria do mundo, mostrou um decréscimo dos lucros no primeiro trimestre. Foi a primeira vez em sete anos e, segundo especialistas, isso acontece por causa da migração dos consumidores para bebidas destiladas, como a vodca e o rum. "Apesar da tendência de crescimento dos destilados também aqui, as pequenas cervejarias devem 'roubar' mais um pouco de mercado das grandes", prevê Lyra.