Título: Estradas continuam à míngua
Autor: Claudia Safatle
Fonte: Valor Econômico, 13/05/2005, Brasil, p. A2

Estrada não é uma prioridade do governo federal. Ou, até agora, é apenas em tese. O Ministério dos Transportes, que no ano passado fez um enorme esforço para limpar os passivos com as empresas de construção pesada, de mais de R$ 1,2 bilhão de compromissos que vinham desde 2002, só neste ano já acumula cerca de R$ 500 milhões de débitos, dado que a liberação de recursos pelo Tesouro Nacional não tem sido compatível, mês a mês, com os pagamentos que o ministério tem a fazer. A rigor, são R$ 350 milhões de passivos já processados, ou seja, a obra foi executada, o serviço medido e está apto a ser pago, mas ainda não o foi. Além desses, há outros cerca de R$ 150 milhões de obras concluídas e medições feitas, que já estão chegando ao sistema (Siafi). Até este momento, o governo Lula não licitou um quilômetro sequer de concessão de exploração de rodovias. No dia 17, o Conselho Nacional de Desestatização (CND) deverá, finalmente, aprovar a modelagem para as concessões de 3.059 Km de estradas a serem licitadas, segundo informações oficiais, no que será o primeiro bloco de licitações, passados 28 meses do início do mandato. Aprovada a modelagem - leilões em duas etapas, num "mix" de menor valor da tarifa e maior valor da outorga - ela será submetida ao TCU, que tem 45 dias para se pronunciar. Numa hipótese otimista, os leilões poderão ser realizados em setembro, envolvendo trechos da BR-153/SP, BR-116/PR/SC, BR-393/RJ, BR-101, na divisa do RJ com Espírito Santo, BR-381/MG/SP, BR-116/SP/PR, BR-116/376/101, de Curitiba a Florianópolis, e BR-101/ES. "Está tudo parado nessa área", reclama o presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), Paulo Safady Simão. "O governo diz que tem dinheiro, mas não paga, empenha, mas não libera", queixa-se o diretor de uma grande empresa de construção pesada. O Ministério dos Transportes não contesta essa percepção. O ano começou com certa animação, mas o novo acúmulo de dívidas com as construtoras está deixando as empresas apreensivas e levando-as a desacelerar as obras. Razão pela qual o ministro Alfredo do Nascimento, dos Transportes, já conversou com o presidente Lula e abriu, nos últimos dias, negociação com a área econômica para adequar o fluxo financeiro mensal aos compromissos a pagar. No papel, mesmo no decreto de contingenciamento, a situação não é tão dramática. Ao contrário, o limite de recursos para empenho de investimentos este ano é de R$ 3,603 bilhões, cerca R$ 1 bilhão a mais do que no ano passado. O que, tendo em vista o quadro de restrição fiscal, é um ganho. Considerando os recursos para custeio, esse valor sobe para R$ 4, 239 bilhões. Dos investimentos, R$ 1,383 bilhão já foi empenhado. No entanto, a liberação do dinheiro é a conta-gotas. Apenas R$ 44 milhões do total empenhado foram pagos até ontem. Simultaneamente ao pagamento de empenhos novos, que está lento, os restos a pagar de 2002 para cá somam R$ 1,27 bilhão, sendo R$ 1,2 bilhão de investimentos e o restante, de custeio. Desses, só R$ 174,8 milhões foram processados até o fim do ano passado, sendo que R$ 102,2 milhões foram pagos, e o restante é uma conta a pagar. A conta de restos a pagar em custeio e investimentos, que ficou para este ano, é de R$ 1,09 bilhão. Desses, foram pagos até o momento apenas R$ 102,1 milhões. O zelo do Ministério dos Transportes para limpar os passivos acumulados de 2002 para cá, em 2004, no valor de R$ 1,2 bilhão, foi uma resposta do governo à constatação de que essa dívida havia tirado o oxigênio das empresas que, mesmo diante da oferta de novos empenhos no ano passado, não se mobilizaram para tocar as obras, segundo relato de uma qualificada fonte oficial. Tratava-se, portanto de "restabelecer a credibilidade do ministério", disse a fonte, especialista no setor. Na medida em que o endividamento começa a crescer novamente, "está havendo um travamento das obras".

Governo acumula dívidas com empreiteiras

Há um atenuante nessa área, que são os projetos -piloto negociados previamente com o FMI, cujos investimentos são vistos como rentáveis e, portanto, reduzem a meta de superávit primário dos 4,25% para 4,1% do PIB nos próximos três anos. Para os transportes, foram selecionadas obras correspondentes a R$ 2,1 bilhões, que constam do total liberado para empenho (R$ 4,239 bilhões) e são recursos que não podem ser contingenciados. Esses são investimentos que deverão ser realizados nos próximos três anos. Para os demais, não há qualquer garantia. A meta aprovada pelo presidente em outubro do ano passado era investir na recuperação de 25% das rodovias com mais de dez anos até março de 2005, ou seja, 7 mil Km, objetivo que dobra para 14 mil Km para todo o ano. A primeira não foi cumprida. Estudos feitos pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), e apresentados recentemente ao ministro Nascimento, apontaram a necessidade de investimentos anuais de US$ 3 bilhões na malha rodoviária do país, nos próximos cinco anos, para que o Brasil tenha restituída sua infra-estrutura de transportes e disponha de logística adequada ao crescimento da economia. O orçamento do ministério está muito aquém desse valor e, ainda assim, não é executado por causa, sobretudo, da necessidade de o governo produzir o superávit primário das contas públicas, que foi, inclusive, reforçada no primeiro quadrimestre deste ano, quando a meta saltou para cerca de R$ 27 bilhões, ou seja, R$ 7 bilhões a mais do que no mesmo período do ano anterior. Quando concedeu sua primeira entrevista coletiva, Lula admitiu que seu governo cometeu erros. A pedido de um jornalista, citou três: o fato de o governo não ter trabalhado mais para eleger seu candidato à presidência da Câmara dos Deputados; a não-realização de obras para recuperação das rodovias; e o peso excessivo que recaiu sobre a política monetária no combate à inflação. A continuar o ritmo de liberação de verbas para recuperação e construção de estradas e a lentidão no que se refere às concessões, Lula chegará ao final do mandato sem ter corrigido o que julgou ser o seu segundo erro: não ter conseguido tapar os buracos das estradas brasileiras.