Título: Relatório que cria agência de aviação prevê arrendamento de instalações
Autor: Daniel Rittner
Fonte: Valor Econômico, 13/05/2005, Brasil, p. A2

O relatório que prevê a criação da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) deverá ser entregue ainda em maio pelo senador Delcídio Amaral (PT-MS), mas trará profundas mudanças em relação ao projeto de lei discutido até agora. As alterações refletem a mudança de postura do governo em relação à crise da Varig, abandonando a idéia de intervenção estatal e migrando para uma solução de mercado. Apesar de refletir essa mudança de posição, o relatório que cria a Anac pode incluir um ponto altamente polêmico, segundo relato feito ao Valor pelo próprio Delcídio. O que está em jogo, nesse caso, é o chamado direito real de uso das instalações aeroportuárias hoje sob responsabilidade da Infraero. Pela legislação atual, a estatal promove "concessões de espaço comercial", como hangares e terminais, balcões de check-in e pontos de vendas de bilhetes. As novas regras previstas pela lei da Anac devem determinar que essas áreas sejam "arrendadas" às empresas por um certo período - a ser fixado no relatório em 20 anos, segundo afirmou Delcídio. Na prática, as companhias aéreas continuarão pagando à Infraero o mesmo valor pelo uso das instalações aeroportuárias, mas há duas diferenças cruciais. Primeiro, elas poderão contabilizar hangares e terminais como ativos em seus balanços financeiros. Estima-se que isso acrescentaria um patrimônio de R$ 1 bilhão às empresas do setor. Segundo, em caso de deixarem de voar, poderiam alugar os espaços para terceiros, possibilidade hoje inexistente, já que a Infraero tem o direito de retomá-los. Esse é o principal argumento da ala do governo que defende o direito real de uso. Nessa corrente destaca-se o Ministério da Defesa. Para os técnicos, além de melhorar o balanço das empresas, a medida permite uma solução mais viável aos impasses gerados pela paralisação da Transbrasil e da Vasp. As duas seriam as grandes beneficiadas pela medida. Quando voou pela última vez, em dezembro de 2001, a Transbrasil detinha sob sua concessão 14 terminais de cargas, seis hangares, 58 balcões de check-in, 31 áreas administrativas e 20 balcões de venda de passagens. Desde então, a Infraero conseguiu retomar nove balcões de check-in, três áreas administrativas e três balcões de venda. Liminares impedem a retomada das demais instalações aeroportuárias, que acabam ficando subutilizadas. Segundo a interpretação dos técnicos da Defesa, existem três vantagens no direito real de uso: as empresas ganham maior segurança para fazer investimentos em suas áreas nos aeroportos, evita-se um impasse judicial que proíba a utilização dessas áreas em caso de paralisação de uma companhia aérea e os trabalhadores saem beneficiados. Nesse último ponto, os técnicos aprofundam a explicação: empresas quebradas costumam deixar um pesado passivo trabalhista, dificilmente pago aos funcionários que vão para a rua e têm dificuldade para reinserir-se no mercado de trabalho. Ao possibilitar que a companhia paralisada alugue seus espaços aeroportuários, permite-se que essa geração de fluxo financeiro contribua para pagar trabalhadores. A Infraero e o Comando da Aeronáutica são contrários à idéia do direito real de uso, segundo uma fonte que acompanha de perto o assunto. "Isso é uma transferência indevida de patrimônio público", diz um funcionário graduado da Infraero. "É uma questão delicadíssima", reconhece Delcídio, acrescentando que o assunto deverá ser definido na próxima semana. Entre as medidas que beneficiariam a Varig no caso de uma solução intervencionista, e que devem ficar de fora do relatório, estão as emendas que estabeleciam a prorrogação automática das concessões até o fim de 2010 e uma isenção de pelo menos cinco anos da lei antitruste, permitindo fusões e aquisições sem a análise do Cade. Essas medidas, assim como a possibilidade de aval da nova agência a eventuais "encontros de contas" entre o governo e as empresas aéreas, que também saiu do relatório, tenderiam a beneficiar particularmente a Varig - como no caso do vitorioso processo contra a União, por perdas decorrentes do congelamento de tarifas no Plano Cruzado. De qualquer forma, sem boa parte das emendas inicialmente previstas, a lei da Anac deve criar uma agência "limpa" : preocupada com a estrutura administrativa do novo órgão, sem entrar em muitos aspectos regulatórios.