Título: Mercosul debate criação de salvaguardas
Autor: Sergio Leo
Fonte: Valor Econômico, 18/10/2004, Brasil, p. A-5

Sob o nome aparentemente burocrático de "revisão do Protocolo de Ouro Preto", os quatro países do Mercosul começarão, esta semana, a discutir oficialmente as propostas da Argentina para criação de salvaguardas e condições para investimentos multinacionais dentro do bloco sul-americano. Sugerida pelo governo uruguaio, a revisão do protocolo que estabeleceu as instituições do Mercosul, em 1994, teria o objetivo apenas de incluir oficialmente, na estrutura institucional do bloco, medidas tomadas desde então, como a criação da figura de Estado-associado, pela qual o Chile e a Bolívia passaram a participar da associação entre Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai. O governo argentino, porém, quer ir além. Os argentinos têm insistido com os sócios do Mercosul que é necessário criar mecanismos, na estrutura institucional do bloco, para lidar com o que chamam de "assimetrias" entre os quatro países. No início de setembro, o ministro da Economia argentino, Roberto Lavagna, entregou em Brasília o detalhamento das propostas do governo Néstor Kirchner para tratar dessas assimetrias, com a criação de salvaguardas para conter súbitos aumentos de importações entre um sócio e outro, e um "código de conduta", pelo qual multinacionais estariam proibidas de fechar instalações em um dos quatro países para transferir sua produção a outro dos sócios. Segundo um dos negociadores argentinos, o governo Kirchner não pretende incluir essas propostas na estrutura do Mercosul, mas acrescentar, no Protocolo de Ouro Preto, dispositivos genéricos que legitimem a adoção das salvaguardas e do "código de conduta". A idéia enfrenta forte resistência por parte da diplomacia brasileira e, segundo decidiu o Grupo Mercado Comum (GMC), a instância executiva do Mercosul , será discutida pela primeira vez na reunião inaugural do grupo de trabalho formado para elaborar as propostas de revisão do Protocolo de Ouro Preto. O grupo se reúne de terça a sexta-feira, em Brasília. Sem solução, ainda, para o possível conflito de posições entre Brasil e Argentina em torno do que deve ou não ser incluído no novo protocolo (a ser aprovado pelos presidentes do Mercosul em sua próxima reunião, em dezembro, na mesma cidade), o GMC assistiu, há duas semanas, porém, ao que pode ser um avanço no esforço para garantir a integração real dos mercados do Mercosul. O Paraguai, pela primeira vez, aceitou discutir um mecanismo para garantir a livre circulação de mercadorias entre os quatro países. Ainda sob o temor de reações negativas do setor privado local, os diplomatas deram sinal verde para discutir um mecanismo pelo qual seria liberado o trânsito das mercadorias hoje sujeitas à Tarifa Externa Comum (TEC) igual a zero, ou reduzida a zero por acordos comerciais com terceiros países. Hoje, todos os produtos importados por um país do Mercosul são obrigados a passar de novo pelos trâmites de alfândega e, se for o caso, pagar novamente a TEC ao passar de um sócio ao outro no bloco. A chamada dupla cobrança da TEC é uma das imperfeições do que deveria ser uma união aduaneira (integração das alfândegas) como o Mercosul, e sua extinção é uma das metas para 2006 incluídas pelo Brasil no chamado Objetivo 2006, programa de eliminação dos obstáculos remanescentes no comércio entre os quatro países. A eliminação das barreiras aos produtos com TEC zero serviria de teste para uma progressiva extensão dessa liberdade a outros produtos sujeitos a pagamento de tarifa de importação. A aceitação, pelo Paraguai, de mecanismos para gradual liberação do trânsito de bens pode abrir caminho também a outras propostas liberalizantes, como a de integração de cadeias produtivas apresentada pelo Brasil na última reunião presidencial do Mercosul, em julho, na cidade argentina de Puerto Iguazu. Pela proposta, seria eliminada a dupla cobrança também para componentes, partes ou peças de produtos fabricados dentro do Mercosul com linhas de produção distribuídas por mais de um dos quatro países do bloco.