Título: A agenda municipal no século 21
Autor: Fernando Luiz Abrucio
Fonte: Valor Econômico, 18/10/2004, Política, p. A-5

Os eleitores brasileiros já escolheram 5.517 prefeitos no primeiro turno e definirão o nome de mais 44 governantes locais no segundo turno. É difícil fazer uma avaliação única dos resultados e da qualidade do debate político para todo o país, em razão de as cidades brasileiras serem extremamente heterogêneas, em termos de tamanho, renda, perfil social, cultura e estrutura política. Não obstante, é possível construir uma agenda de políticas válida, em maior ou menor grau, para todos os prefeitos do Brasil. Foram selecionados aqui cinco grandes temas que podem nortear um bom governo local, com ganhos para a comunidade e para a própria classe política, pois se estes aspectos forem contemplados com sucesso, seus condutores terão mais chances de manter uma alta popularidade e, por conseguinte, de obter a reeleição ou a ascensão para outros postos governamentais. O primeiro ponto desta agenda é a adoção de uma nova ética pública por parte dos prefeitos. Este aspecto envolve, antes de mais nada, o ataque à corrupção, por meio de uma administração transparente e orientada por valores republicanos. A democratização do poder público também contribui para este fim, com destaque para o incentivo à participação da comunidade na gestão governamental. Todo prefeito deveria saber que, ao abrir mais o Estado para o controle social, poderá ter mais aliados e parceiros na luta contra as questões que mais afligem à coletividade. No fundo, esta nova ética pública exige maior respeito com os cidadãos, valorizando suas sugestões e críticas. A postura imperial do governo ante a população, quando não sua postura autoritária ou patrimonial (confusão entre o que é publico e o que é de interesse privado do governante), constitui o maior problema político municipal brasileiro. Com o mesmo ímpeto transformador, os novos prefeitos têm de mudar a realidade administrativa local. Na maior parte do Brasil, os municípios não são equipados com uma administração pública de qualidade. E não o são porque tradicionalmente a classe política preferiu usar os cargos públicos como forma de angariar apoios ou, nas piores situações, como instrumento de enriquecimento ilícito. No entanto, o processo contínuo de democratização do país vem produzindo cidadãos cada vez mais exigentes, que demandam mais e melhores serviços públicos. Os governantes que não atendem a estes pleitos tendem a ser rechaçados pelas urnas - dos 2.781 prefeitos que tentaram se reeleger, apenas 31,3% conseguiram este objetivo, índice menor do que o alcançado pelos que tentam continuar nas Assembléias Legislativas ou no Congresso Nacional. A modernização da gestão pública local passa basicamente por dois aspectos. Um é a profissionalização dos funcionários públicos, que devem passar por uma seleção pública rigorosa e, depois, por processos de capacitação contínuos, a fim de se reciclarem num mundo em intensa transformação, além de precisarem ser avaliados pelo seu desempenho, para que tenham incentivos para melhor servir ao público. O outro aspecto diz respeito à criação de um modelo administrativo que se oriente mais pelo alcance de metas e resultados do que pela repetição de fórmulas prontas ou pela mera aplicação de procedimentos, muitas vezes caducos frente à realidade, noutras, uma mera forma de garantir o poder dos poucos que conhecem as regras legais - é o exemplo dos fiscais, que frequentemente usam de seu saber para achacar a população.

Prefeito deve ser agente local e regional

A adoção de princípios de responsabilidade fiscal constitui o terceiro ponto da agenda. Há um enorme consenso social de que o país melhorou com a promulgação da LRF e, desse modo, a população, a mídia e os órgãos fiscalizadores vão lutar para que a lei seja cumprida pelos governantes. Mas os novos prefeitos não devem restringir o tema da responsabilidade fiscal à legislação vigente. A eficiência, definida como uma prática de gestão que busca "fazer mais com os mesmos (ou com menos) recursos", tornou-se essencial numa era de restrição de verbas. Aquele governante que consegue multiplicar o dinheiro e os meios que têm a disposição pode, ademais, contemplar mais áreas de atuação. Por exemplo, quando uma despesa com custeio é reduzida, sobra mais para se gastar em investimento, principalmente naquilo que pode potencializar o desenvolvimento de uma região, como o capital humano (saúde e educação) ou uma obra de infra-estrutura que traga mais empresas à cidade. Com a descentralização efetuada desde a Constituição de 1988, os programas sociais e as ações urbanas foram quase todos repassados aos municípios. De modo que o sucesso de qualquer prefeito no país, nos grotões ou nas Regiões Metropolitanas, passa pela qualidade de suas políticas públicas. Estas devem visar, sobretudo, à busca da eqüidade, dada a desigualdade que marca todo o território brasileiro. Para tanto, além de uma gestão pública profissional (segundo aspecto da agenda), a criação de um círculo virtuoso entre políticas públicas e justiça social (quarto ponto) passa pela definição clara das prioridades, pela adoção de uma ação intersetorial frente aos problemas - criminalidade, por exemplo, se combate com política de educação, emprego e segurança - e pela utilização de instrumentos que permitam avaliar a efetividade das ações governamentais, isto é, seu verdadeiro impacto sobre os problemas que pretendem atacar. O bom governo local, por fim, é o que busca ampliar a cooperação intergovernamental, especialmente com outros municípios de sua região. Os prefeitos eleitos convenceram a população da cidade por onde concorreram, contudo, o êxito de suas gestões vai depender de ações concertadas com as municipalidades vizinhas, como se pode perceber nas questões ambientais (particularmente recursos hídricos), para fins de desenvolvimento regional e na montagem de consórcios de saúde. O prefeito do século 21, em resumo, precisa ser ético e democrático, aprimorar e modernizar a gestão pública, particularmente nos campos da responsabilidade fiscal e das políticas sociais, além de ser um agente local e regional ao mesmo tempo.