Título: A inflação e o espaço para a redução na taxa de juros
Autor: Nelson Rocha Augusto
Fonte: Valor Econômico, 13/05/2005, Opinião, p. A12

Todos nós sabemos que o fenômeno inflacionário no Brasil foi crônico, gravoso e causou uma série de danos à economia e à sociedade brasileira ao longo do tempo. Não há dúvida de que o seu combate tenaz e perseverante é uma missão de todos. É do conhecimento público que seus efeitos perversos perpassam indistintamente todos os estratos da sociedade, atingindo de maneira muito mais nefasta as camadas mais pobres. A elevação continuada dos preços tem historicamente aspectos monetário, cambial, fiscal, inercial, estrutural e expectacional. Atualmente a taxa de juros básica praticada no Brasil tem estado em patamares bastante elevados, sobretudo por ser o principal instrumento utilizado pela autoridade monetária para atingir o objetivo definido pelo Conselho Monetário Nacional de convergir a inflação para a meta estabelecida. Esta decisão é concomitante com um enorme e bem-sucedido processo de melhora substancial, em curto espaço de tempo, na estrutura do balanço de pagamentos. Observamos no Brasil, hoje, uma evolução admirável em nossa balança comercial. Houve redução da dívida externa e, conseqüentemente, do custo do seu serviço (ajudado também pela menor taxa de juros externa); contabilizamos superávit no turismo; nossa conta capital continua positiva; e certamente obteremos, neste ano e talvez no próximo, superávit nas transações correntes. Nossa dívida interna indexada à taxa de câmbio apresentou uma redução expressiva, atingindo hoje apenas 5% do total. Por sua vez, o dólar americano, moeda hegemônica do mundo, tem perdido valor em relação a outras moedas, particularmente ao yen e ao euro, devido à convivência continuada com o insustentável déficit nas transações correntes e fiscal nos EUA. Esperamos que esta questão possa ser enfrentada paulatinamente e a longo prazo, enquanto os países formadores de reservas em dólares permitirem e continuarem acumulando reservas na moeda americana - em especial a China, por seu tamanho -, sob pena de termos uma crise sem precedentes na história econômica moderna, dada a gigantesca soma de ativos denominados em dólares existente em todo o mundo. O corolário do que foi abordado nos dois parágrafos anteriores é uma forte desvalorização do dólar em relação ao real. Observamos, então, que os aspectos monetário e cambial, como fatores determinantes da inflação brasileira, têm cumprido o seu papel no sentido de fazê-la reduzir. Alguns economistas têm argumentado que a expansão do crédito, que tem acontecido no Brasil, é conflitante com os objetivos da política monetária atual. Vale ressaltar que este crescimento é saudável, pois ocorre sobre uma base muito baixa e ainda bem menor que a observada internacionalmente, não sendo suficiente para contaminar a moeda nacional. Claramente não há hoje, em nosso país, uma inflação de demanda. Possuímos capacidade instalada suficiente para expansão da oferta, em todos os setores do consumo básico.

Política monetária e câmbio cumprem o seu papel mas falta atacar questões fiscais, inerciais e estruturais

Nossa política fiscal, embora cumpra o papel de atingir as metas de superávit primário, o que é fundamental, não tem colaborado em seu "mix" com a política monetária, por ter permitido um relevante crescimento do gasto público. A nova Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) aponta na direção correta ao limitar o gasto e se comprometer com a não elevação da carga tributária. A parte inercial da nossa inflação reside nos preços administrados. Esta possui uma malha contratual que utiliza indexadores de preços, como os IGPs, por exemplo. Esses indicadores são a soma de três índices com ponderação estável desde que foram criados, o que faz pouco sentido econômico e, muitas vezes, não têm relação direta com os custos daqueles itens que estão corrigindo. Podemos citar alguns exemplos bastante óbvios, como os aluguéis e telefonia. Estes indicadores de inflação são fortemente influenciados por fatores exógenos, como mudança no patamar de preços do petróleo, para ficarmos com a referência atual. Felizmente, estes contratos têm vencimentos: poderão e deverão ser renovados em outras bases. A complementação da desindexação da economia brasileira é imperativa para os objetivos de termos uma taxa de juros definitivamente em outros patamares no Brasil. O aspecto estrutural da inflação brasileira pode ser observado no conflito distributivo, nas restrições orçamentárias, no tamanho e na estrutura da dívida interna brasileira, na insegurança jurídica, na não-formalização da independência do Banco Central, em nossa esquizofrênica estrutura tributária, nos gargalos de infra-estrutura, enfim, no custo Brasil. Vale destacar que vários destes aspectos têm sido combatidos e, certamente, isto tem colaborado com a redução da inflação que temos observado nos últimos anos. A mensuração destes aspectos estruturais é metodologicamente difícil, mas sabemos que a dinâmica do avanço nestas questões tem efeitos diretos, não só nos próprios aspectos estruturais, como também nos expectacionais. O fator expectacional, em essência, acrescenta o efeito da reação dos agentes econômicos, ou seja, é a subjetividade do fator humano no processo de formação de preços. O nível de confiança, a consistência, a perseverança e a estabilidade de regras - enfim, a arte na condução da política macroeconômica -, têm um papel absolutamente relevante na dinâmica da inflação. A observação mais atenta da conjuntura atual nos leva a crer que a hierarquia dos fatores determinantes da inflação tem se modificado decisivamente, o que nos induz à convicção de que já é possível a redefinição dos pesos dados aos instrumentos de combate à inflação. O que, inequivocamente, abre espaço para o início de um longo processo de redução da taxa de juros nominal e real. Esta redução terá sua velocidade distribuída no tempo em função dos avanços que a sociedade brasileira consiga fazer em todos os aspectos que determinam nossa inflação. As bases já estão dadas.