Título: A proposta de 200 milhões de euros que atraiu a Varig por seis meses
Autor: Vanessa Adachi
Fonte: Valor Econômico, 13/05/2005, Empresas &, p. B1

Nos meios empresariais brasileiros, ele é desconhecido, mas Pedro Lobo Alexandre diz que em Portugal sua família é tradicionalíssima. Há aproximadamente seis meses, seu nome surgiu em rodas de negócios no Brasil. Ele procurou a FRB-Par, o braço de investimentos da Fundação Ruben Berta, controladora da Varig, com uma proposta. Queria comprar o controle daquela que ainda é a maior companhia aérea do país em receita, apesar da agonia financeira que a faz minguar mês a mês. A empresa que representa, que atende pelo nome de Fontidec, estava disposta a desembolsar 200 milhões de euros para assumir a Varig e, de quebra, como algo menos relevante, sua dívida de pelo menos R$ 6 bilhões. A partir daí, durante meses, os curadores da Fundação e a direção da própria Varig mantiveram com Pedro Lobo e seus advogados uma seqüência de reuniões. Algumas delas chegaram a avançar madrugada adentro. Minutas de um contrato de compra da aérea foram redigidas e refeitas. Nos encontros, Lobo disse que havia contratado o banco ING e fez acompanhar-se de advogados de pelo menos dois escritórios considerados de primeira linha, o americano Baker & McKenzie e o brasileiro de porte médio Duarte Garcia, Caselli Guimarães e Terra. Tais placas emprestavam credibilidade ao que dizia. Por muito tempo, a proposta foi levada a sério dentro da Varig, que se debate em busca de uma saída para seus problemas. Até que, há cerca de 15 dias, os contatos foram rompidos pela FRB. As negociações acabaram quando chegou a hora do comprador colocar o cheque na mesa. Nas conversas com a Varig, Pedro Lobo chegara a afirmar que o dinheiro a ser investido era, principalmente, de sua família e administrado por ele. Durante todo o tempo ele prometeu comprovar a existência dos recursos para fazer o investimento, mas isso nunca aconteceu. A certa altura, foi exigido dele que apresentasse um banco de primeira linha que atestasse a existência dos fundos. E, surpresa, nada aconteceu. "As histórias que ele contou nunca se provaram verdadeiras", diz uma fonte que acompanhou as negociações. Outra pessoa que também presenciou alguns dos encontros classifica a proposta de "fantasia". Lobo não se deixa abalar: "Queremos ser os controladores absolutos da Varig e, se dependesse de mim, o negócio já estaria fechado", disse ele em conversa com o Valor. "Temos certeza de que, em muito pouco tempo, conseguimos viabilizar a empresa", completa. Ele afirma presidir a desconhecida Fontidec Investment, uma empresa com sede em Lisboa, que reúne "sócios brasileiros, americanos e portugueses". Investidores financeiros, segundo suas palavras. Além disso, explica, para viabilizar a compra da Varig foi criada a Fontidec Brasil Participações. A legislação brasileira limita a participação do capital estrangeiro em companhias aéreas a 20%. Quem são exatamente esses investidores? "Isso ainda é segredo", responde Lobo. O único nome que ele revela é o da Euroatlantic Airways, companhia de vôos fretados que pertence ao grupo português Pestana. "São nossos parceiros no investimento." José Caetano Pestana, diretor de relações públicas da Euroatlantic, confirma a ligação com Lobo e a intenção de adquirir participação acionária na Varig, mas conta uma história diferente. "A Fontidec é uma empresa de advocacia que a Euroatlantic contratou para representá-la no negócio. O senhor Lobo é advogado", afirmou ao Valor, por telefone. E quanto aos outros investidores que Pedro Lobo diz representar? "Não faço idéia se ele representa outros investidores." Pestana diz que a Euroatlantic quer 20% da Varig e a gestão da companhia. "Essa é a base da proposta e aguardamos uma comunicação da nova administração da empresa." Ao Valor, Pedro Lobo disse que a intenção é usar 44 milhões de euros para comprar 80% das ações que a Fundação Ruben Berta tem da Varig. O restante seria mantido pela própria fundação. A FRB tem 87% das ações ordinárias da Varig e 55% do seu capital total. Os 44 milhões de euros, disse Lobo, seriam pagos "imediatamente após a assinatura do contrato, antes da 'due diligence'". Os outros 156 milhões de euros, segundo ele, seriam usados para reforçar o caixa da Varig. "Seriam colocados dentro da empresa, de acordo com as conclusões do banco ING." Ao tomar conhecimento do teor das declarações de Pedro Lobo, o ING Bank informou que não presta "nenhum tipo de assessoria a grupos relacionados à aquisição ou outro tipo de transação envolvendo a Varig ou seus acionistas". Em uma das reuniões com a FRB-Par, realizada no Rio de Janeiro há alguns meses, Lobo apareceu acompanhado de um homem que apresentou como sendo do ING, conhecido como Gerard. Trata-se de Gerard Galler, funcionário do banco suíço Baring Brothers, instituição de private banking e da qual o ING é apenas um dos acionistas. Galler é bastante conhecido no mercado local, por investir dinheiro de brasileiros no exterior. No passado, Galler trabalhava na mesma área do antigo Barings, que quebrou e foi comprado pelo ING. O advogado Eugene Rostov, do escritório de Miami do Baker & McKenzie, foi um dos que representaram a Fontidec nas conversas com a FRB-Par. Outro foi Luiz Arthur Caselli Guimarães, do Duarte Garcia, Caselli Guimarães e Terra. Segundo o Valor apurou, ambos teriam aceito o caso mediante pagamento adiantado de seus honorários. Nenhum deles retornou os pedidos de entrevista até o fechamento da edição. Um porta-voz da banca brasileira Trench, Rossi e Watanabe, associada ao Baker & McKenzie, disse que o escritório não estava autorizado a comentar o assunto. Pedro Lobo diz que na segunda-feira esteve reunido com o vice-presidente, José Alencar. Segundo ele, já havia desistido da aquisição da Varig, mas após a audiência reconsiderou sua posição. Na FRB, no entanto, depois da proposta de Pedro Lobo já ter sido considerada tábua de salvação, hoje o assunto virou tabu.