Título: Meirelles e risco de crédito afetam pregão
Autor: Luiz Sérgio Guimarães
Fonte: Valor Econômico, 13/05/2005, Finanças, p. C2

Os mercados brasileiros sofreram ontem os impactos da indigesta combinação formada pelo recrudescimento externo da aversão ao risco e as incertezas relacionadas ao processo movido contra o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, pela Procuradoria Geral da República. A piora foi generalizada. O dólar subiu 0,48%, para R$ 2,4680, pois os bancos absorveram a oferta dos exportadores, reduzindo posições vendidas. A Bovespa afundou 2,35%, com o índice já ameaçando a barreira de 24 mil pontos. Fechou a 24.117 pontos. A saída de investidores estrangeiros foi a principal responsável pelo bom volume negociado, de R$ 1,34 bilhão. Foi a quarta queda seguida da Bolsa, período durante o qual desvalorizou-se 5,75%. Na Bolsa de Nova York, o Dow Jones Brazil Titans 20 - índice dos ADRs brasileiros - tombou ontem 3,4%. As inquietações não pouparam o mercado futuro de juros da BM&F. Os contratos subiram em bloco apesar da deflação apurada pela primeira prévia de maio do IGP-M. A conturbação externa foi o principal motivo para a deterioração dos mercados locais. Os EUA propagam sinais contraditórios propícios à volatilidade. O primeiro deles, auspicioso, é no entanto incapaz de sustentar movimento de alta das bolsas de Nova York. O Dow Jones caiu 1,08% e o Nasdaq, 0,38%. As vendas ocorridos no varejo americano no mês de abril cresceram 1,4%, quando os analistas esperavam alta entre 0,7% e 0,8%. O dado fortaleceu o dólar frente ao euro e à libra. O aquecimento interno reforça a advertência de dirigentes do Federal Reserve (Fed) de que o "ritmo comedido" do aperto monetário não irá durar para sempre. Mas se o Fed intensificar o aperto, irá ampliar a crise no mercado de crédito corporativo.

O risco de quebradeira de instituições saturadas de bônus de péssima qualidade é o segundo e mais intragável ingrediente da sopa americana. Ontem a Moody's rebaixou o rating da dívida de longo prazo da Ford, de "Baa1" para "Baa3" . A nota do braço financeiro Ford Credit recuou de "A3" para "Baa2" e a da subsidiária Hertz de "Baa2" para "Baa3". Os mercados só não saíram vendendo tudo o que poderiam de ações e países emergentes porque essas notas ainda situam a Ford no nível de grau de investimento. A Moody's teve o bom senso de não aviltá-la, como fez a S&P com a GM, à categoria de junk bonds.

Bovespa cai 2,35%; dólar e juro futuro em alta

O crescimento da aversão ao risco desencadeia o vôo para a qualidade. A busca por segurança amplia a demanda pelos títulos do Tesouro americano e, consequentemente, os juros caem. A taxa do T-Note de de 10 anos recuou de 4,24% para 4,17%. Isso sabota as intenções do Fed. Crescimento alto conjugado com juro de longo prazo baixo estimula a demanda e a inflação. Demanda forte e dólar com poder de compra restaurado são sinônimos de ampliação do déficit da balança comercial. É tudo o que o Fed quer evitar. A segunda dor de cabeça do mercado foi doméstica. Os pregões já esperavam que o ministro Marco Aurélio Mello, do STF, aceitasse a instalação de inquérito contra Meirelles. Mas se desconhecia a reação do presidente do BC a ela. O mercado não teme a condenação de Meirelles. As investigações irão abranger o período em que ele desempenhava, nos EUA, função no BankBoston, submetido portanto aos rigores da legislação fiscal e financeira americana. E correrão sob segredo de Justiça. Nada se saberá até a sua conclusão, a menos que aconteçam os costumeiros vazamentos. O que o mercado receou ontem foi uma demissão a pedido de Meirelles, que ele perdesse a paciência e se retirasse do BC, já de olho nas próximas eleições estaduais. A possibilidade de ser sucedido por alguém menos conservador que ele foi o que justificou operações defensivas. Às instituições, não preocupou, nem um pouco, o fato de que o Brasil tem o único "guardião da moeda" do mundo sob investigação da Justiça. Parece não haver incompatibilidade. Da mesma forma, não se acredita que a demanda judicial irá requerer cuidados a ponto de assoberbar a rotina de Meirelles e afetar a sua eficiência administrativa. Mantido Meirelles, o mercado irá se ocupar mais intensamente a partir de hoje com a reunião do Copom marcada para a próxima quarta-feira. Processado, talvez Meirelles se sinta na obrigação de demonstrar independência e credibilidade. Para tanto, nada como uma altinha de juro. A primeira prévia de maio do IGP-M mostra que ela não seria necessária. O índice caiu 0,03%, pressionado para baixo pelo IPA (deflação de 0,40%). Enquanto o IPCA de abril (alta 0,87%) mostra a inflação velha, o IGP-M exibe o futuro: a auxílio precioso da apreciação cambial