Título: Lei que reduz o risco de crédito imobiliário ainda é letra morta
Autor: Mônica Izaguirre
Fonte: Valor Econômico, 13/05/2005, Finanças, p. C2

O regime de afetação nas incorporações imobiliárias, pelo qual o patrimônio de um empreendimento não se mistura ao da construtora ou incorporadora responsável, continua sendo letra morta, mesmo depois da lei que corrigiu as imperfeições da medida provisória que o criou, em 2001. Passados nove meses de promulgação da Lei 10.931, nenhuma empresa o adotou até agora, informa o presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), Paulo Safady Simão. O motivo do desinteresse é uma Instrução Normativa da Secretaria da Receita Federal (SRF) que, segundo ele, neutraliza o atrativo tributário criado pela lei. Fruto de um projeto nascido no próprio Ministério da Fazenda, já sob o governo Lula, para estimular a construção civil, a Lei 10.931 deu um tratamento tributário especial aos empreendimentos imobiliários sob regime de afetação. A tributação federal sobre essa parte da atividade da empresa foi limitada a 7% da receita com o pagamento das prestações. Foram reunidos, nessa alíquota única, o Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ), a Contribuição Social sobre Lucro Líquido (CSLL), a contribuição ao PIS/Pasep e a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins). O problema, diz Simão, é que, ao regulamentar a lei, a SRF tratou esses 7% como mera antecipação de tributos e não como tributação final. E isso, no seu entendimento, na prática eliminou o tratamento tributário especial e afastou qualquer possibilidade de interesse das construtoras e incorporadoras em adotar o patrimônio de afetação em seus empreendimentos. A pedido da CBIC, a questão está sendo reestruturada pelo Ministério da Fazenda. Se a demanda da entidade for atendida, uma nova Instrução Normativa será editada pela Receita. O assunto está sendo analisado pela Secretaria de Política Econômica do Ministério. Essa não é a primeira vez que a SRF inviabiliza a adoção do patrimônio de afetação nas incorporações imobiliárias, regime cujo objetivo principal é dar segurança a quem compra e a quem financia imóveis na planta ou em construção. Também foi da Secretaria da Receita a iniciativa de incluir, na Medida Provisória 2221, um dispositivo que a fez virar letra morta. A MP, editada em setembro de 2001, ainda no governo Fernando Henrique, foi a que criou o regime. A quebra da Encol, em meados da década de 90, tinha dado prejuízo a muita gente que pagou, parcial ou totalmente, imóveis adquiridos na planta. Muitos sequer foram concluídos e mesmo imóveis terminados não puderam passar para a nome dos compradores, porque ficaram presos na massa falida da empresa. Preocupado em evitar a repetição de episódios como esse, o governo da época criou então, por MP, um mecanismo para separar o patrimônio de cada empreendimento do patrimônio e das demais atividades do construtor/incorporador. Na última hora, a Receita brigou e conseguiu incluir na MP um dispositivo que dividia com os compradores dos imóveis a responsabilidade pela dívida tributária da empresa, inclusive as já existentes e as relativas a outras atividades. Isso inviabilizou o patrimônio de afetação, feito justamente para proteger o comprador do imóvel. A separação entre as contas de um empreendimento específico e as contas da empresa valia para tudo, menos para as dívidas tributárias. Assim, foi colocado abaixo um esforço de anos de feito pelo governo, em especial pelo Banco Central, para chegar a um acordo com os bancos e o setor de construção. Os bancos têm interesse no regime de afetação porque, ao livrar o imóvel de uma eventual falência, ele melhora a qualidade da garantia dos financiamentos imobiliários. Em 2003, o governo Lula encaminhou ao Congresso o projeto que viria a ser a Lei 10.931. Com isso, eliminou-se a responsabilidade solidária dos compradores dos imóveis por dívidas das construtoras perante o Fisco da União. Para que a lei efetivamente funcione, porém, Paulo Safady Simão diz que é preciso mudar a regulamentação feita pela Receita Federal. Procurada pelo Valor, a SRF não se pronunciou sobre a reclamação do setor.