Título: Lula faz vôo cego na articulação política
Autor: Raymundo Costa
Fonte: Valor Econômico, 17/05/2005, Política, p. A5

Em sua primeira entrevista coletiva, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva reconheceu ao menos três erros em seus dois anos e meio de mandato; o PT, especialmente o núcleo majoritário do partido, identifica também três erros na condução política do presidente: ele se move por intuição, é auto-suficiente e acredita que os problemas podem ser resolvidos com o tempo. Ou seja, empurra com a barriga, como se as situações fossem se acomodar sozinhas, por obra do divino. Exemplo perfeito e acabado é o café da manhã para o qual Lula convidou os integrantes da Mesa da Câmara, às 9h desta quarta-feira. A idéia surgiu na conversa, semana passada, com o presidente da Câmara, Severino Cavalcanti (PP-PE). A agenda veio depois. Lula dirá que diminuiu a edição de medidas provisórias, que tem respeito pelo Congresso e tentará negociar "sem imposição" uma pauta de votações para a Câmara. No fim de semana, o café da manhã havia subido no telhado. Para dividir a mesa com Lula, a oposição, também convidada, estabeleceu condicionante: iria, desde que a conversa não ocorresse no Planalto ou no Palácio da Alvorada, mas na casa de Severino Cavalcanti. A denúncia sobre um esquema de cobrança de propinas supostamente montado pelo PTB nos Correios levou a oposição a mudar de tática. "Nós vamos, até porque o governo não pode ficar isolado", diz o líder da minoria na Câmara, deputado José Carlos Aleluia (PFL-BA). "Governo isolado acaba presa fácil de coisas ruins. É um governo que faz qualquer acordo", alfineta o pefelista, em alusão a acertos como os do PTB que o Planalto fez para assegurar no Congresso uma maioria que as urnas não lhe deram em 2002, como bem costuma advertir o ministro da Coordenação Política, Aldo Rebelo. Pouca gente, no Congresso, acredita na recomposição política plena do governo Lula, sobretudo se o presidente tentar consertar a situação com atitudes voluntaristas, como o café da manhã, e se não atacar efetivamente a reforma ministerial que deveria ter feito em novembro do ano passado, após as eleições. O que provavelmente não resolverá o problema, mas pelo menos pode abrandá-lo e dar novo gás ao governo até as eleições.

Presidente governa pautado por jornais

Para se recompor minimamente, o governo, em vez de "intuir", deveria ter mais organicidade política. O modelo da articulação se esgotou. Lula precisa decidir, em vez de esperar pela acomodação natural. A indecisão já lhe custou, desde que o PT perdeu a presidência da Câmara, três meses de agonia e paralisia no Congresso. O presidente alega que não pode fazer reforma ministerial pelas manchetes de jornal. Seus colaboradores mais próximos confirmam que ele costuma ficar "emburrado" e volta atrás sempre que encaminha uma solução e ela vaza para a imprensa. Em resumo, ao contrário do que afirma, Lula governa pautado pelas manchetes dos jornais. Enquanto isso, o PT faz as contas: o governo já ultrapassou a barreira dos dois anos e meio dos quatro anos de mandato, até agora não tem realizações para mostrar quando for pedir uma nova delegação popular, daqui a pouco mais de 16 meses. As estradas continuam tão esburacadas quanto estavam no início do governo, as parcerias público-privadas (PPPs), a panacéia do desenvolvimento, não saíram do papel, e o projeto de transposição São Francisco parece encalhado num rio assoreado. À falta de definições, as lamúrias petistas incorporam a dilapidação de um capital político construído ao longo de 25 anos. O capital ético, por exemplo. Ao dizer que só demite ministro condenado pela Justiça, Lula dá uma nova interpretação à ética pública. Por esse raciocínio, o ex-assessor da Casa Civil Valdomiro Diniz e o empresário do ramo de jogos Carlos Cachoeira poderiam se habilitar a uma Pasta. Afinal, nenhum dos dois recebeu condenação definitiva nos tribunais. É possível até que Lula, no café da manhã, consiga algum tipo de acordo com a Mesa da Câmara para voltar a influir na confecção da pauta de votações e com isso libere seus líderes do vexame de obstruir cada sessão. Mas dificilmente escapa da agenda de gastos, nepotismo e clientelismo. Será uma vitória de fôlego curto, de difícil sustentação a longo prazo. É um vôo cego. O mais provável é que o encontro sirva de palco para a oposição registrar as mazelas do governo.