Título: Rio manteve evangélicos unidos
Autor: Janaina Vilella
Fonte: Valor Econômico, 18/10/2004, Política, p. A-8

O racha das igrejas evangélicas na campanha eleitoral no Rio não se confirmou nas urnas. O cruzamento de dois estudos realizados por especialistas do PUC-RJ, o "Atlas da Filiação Religiosa" e a análise, zona por zona, das últimas eleições municipais, revela que os evangélicos optaram pelo voto útil ao candidato do PL, Marcelo Crivella, na tentativa de impedir a vitória de Cesar Maia (PFL), que se denomina um "católico não ritualista". A campanha eleitoral foi protagonizada pela presença de duas lideranças religiosas, Crivella, bispo da Igreja Universal do Reino de Deus, e o pastor da Assembléia de Deus, Manoel Ferreira, vice do candidato do PMDB, Luiz Paulo Conde. Ao analisar a distribuição dos votos dos candidatos por zonas eleitorais, o especialista em geografia eleitoral e professor da PUC-RJ, Cesar Romero Jacob, mostra que Crivella conquistou o maior percentual de votos em áreas mais pobres, como a Zona Oeste, onde a concentração de evangélicos é maior. Enquanto a média de fiéis no total da população brasileira é de 10%, na Zona Oeste é mais que o dobro, superando os 20%. Já Cesar Maia obteve melhor desempenho em zonas eleitorais tradicionalmente católicas. Isso não significa, ressalta o cientista político, que todos os evangélicos votaram em Crivella ou que todos os católicos optaram por Cesar Maia. "O cruzamento dos mapas mostra que Garotinho não obteve sucesso em sua manobra de colocar um pastor da Assembléia de Deus como vice de seu candidato, na tentativa de conquistar os votos do eleitor evangélico. Nas urnas, prevaleceu o voto útil em Crivella", disse Jacob, ao Valor. Crivella conquistou 750 mil votos válidos no pleito, terminando a disputa em segundo lugar. Pela primeira vez em uma eleição municipal, os evangélicos saíram da condição de coadjuvantes para a condição de protagonistas. Crivella saiu do púlpito, foi para o palanque e surgiu como força política evangélica na capital com o maior percentual de pessoas sem religião, 13%, e onde 60% dos eleitores se dizem católicos. De acordo com Jacob, o surgimento desta nova "força" pode ser explicada pela ineficiência do Estado, pela fragilidade da igreja católica em regiões mais afastadas e o fracasso de partidos de esquerda, que não conseguiram ocupar o espaço político aberto pela ocupação das áreas periféricas da cidade. "A igreja evangélica ganhou força no vácuo dos partidos políticos no Rio. Um dos grandes erros da igreja católica foi não ter acompanhado o crescimento da cidade, em direção a Zona Oeste. O único político hoje capaz de fazer frente a este crescimento chama-se Cesar Maia", disse o professor da PUC. O voto religioso, na avaliação de Jacob, marcou o retrocesso do movimento de separação da igreja e do Estado, iniciado pelos republicanos no final do século 19. O estudioso diz que, após a queda do Muro de Berlim, em várias regiões do mundo a religião e não mais as ideologias vem sendo usada como instrumento de ação política, como se vê, por exemplo, no Oriente Médio e na Irlanda. "Hoje, os americanos bombardeiam o Iraque em nome de Deus. Quando religião e política se misturam, dá margem ao fanatismo político, fruto de um certo fanatismo religioso. Ao invés do candidato discutir propostas ou discussões políticas, discute se o adversário é evangélico ou católico", afirmou Jacob. Em São Paulo, por sua vez, o cenário político é extremamente oposto. A solidez de partidos como PT e PSDB, na capital, não abre espaço para o crescimento de "partidos religiosos". O cruzamento dos dados indica que os votos evangélicos e católicos foram absorvidos "naturalmente" pelo sistema político tradicional.