Título: Não há motivos para o BC continuar a elevar o juro
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 17/05/2005, Opinião, p. A8

A cada aumento dos juros, a expectativa para a inflação de 2005 mais se aproxima do teto das metas de inflação, de 7,5%. Não é descabido que o Comitê de Política Monetária volte a elevar as taxas nesta quarta-feira. A prudência e boa parte dos indicadores econômicos já recomendavam a interrupção do ciclo de alta dos juros há bom tempo. O BC parece condenado a fazer mais do mesmo, ainda que os efeitos colaterais de suas medidas sejam danosos. Pela 11ª vez consecutiva, bancos e consultorias elevaram sua projeção para a o IPCA, agora para 6,39%. Quando o Copom iniciou a majoração dos juros, a projeção estava na casa dos 5,7%. À época, o principal temor do BC era de que o ritmo intenso de crescimento (5,2% em 2004) provocasse pressões acentuadas de demanda que seriam incapazes de serem atendidas pela expansão da produção. Esse fantasma sumiu do mapa com as sucessivas elevações da taxa Selic. O ritmo de expansão da economia declinou do intervalo de 5% a 6% para 3% a 4%, com viés de baixa. A maior parte das projeções dos analistas privados indica um crescimento do Produto Interno Bruto da ordem de 3,5% ou menos - as revisões têm sido feitas sistematicamente para baixo. Os outros dois fatores de risco apontados pelo Copom se mantiveram dentro das expectativas. Os preços do petróleo se mantêm altos, ao redor dos US$ 50 o barril, o que não fugiu das previsões. Por outro lado, as turbulências no mercado externo não foram de magnitude suficiente para abalar o fluxo de capitais ou sacudir o câmbio. Por outro lado, o dólar se desvalorizou 6,8% desde o início do ano e entrou em uma espiral de baixa que parece não ter fim. A contribuição para o recuo da inflação dada pela apreciação cambial, porém, não foi forte o bastante para derrubar os índices de preços. O esfriamento da economia reduz os benefícios esperados com o arrefecimento dos preços dos importados. Os grandes saltos da exportação, por outro lado, pegam carona na disponibilidade de bens que podem ser destinados ao exterior, dada a fraqueza, em vários setores, do consumo interno. É difícil enxergar motivos para nova alta dos juros. Oito elevações não jogaram abaixo a inflação, que está em alta. Primeiro, porque os choques de oferta que são pouco sensíveis aos juros vêm se repetindo desde 2002 e suas conseqüências se prolongam pelos 12 meses seguintes. A eles se acrescentam novos choques, de intensidade relativa, como os efeitos da seca no Sul e de algumas commodities com preços determinados externamente, como aço e o minério de ferro. É necessário também considerar cada vez mais os "choques de oferta" causados pelos preços e tarifas administrados. Especialmente no caso de energia, suas repercussões indiretas são relevantes. Quando o custo desse insumo para as indústrias, por exemplo, começa a subir até 30%, como em Minas, ou até mais, como em Pernambuco, há pressão direta nos custos que vai se transformar mais à frente em inflação - sem contar seus efeitos diretos e imediatos nos índices de preços. A busca da economia por um novo patamar de equilíbrio gera indicadores contraditórios. Há de tudo um pouco. As exportações continuam vigorosas, sustentando o ritmo da produção, mas o câmbio valorizado começa a derrubar o dinamismo do setor têxtil e de calçados. Os juros subiram, mas o crédito continuou em forte expansão. A recuperação da renda e do emprego, que tendem a estancar, ainda é uma alavanca da demanda interna. O que seria menos desejável, porém, parece estar acontecendo. O ritmo dos investimentos está em queda, especialmente o dirigido às exportações, como alertou Antonio Barros de Castro, diretor do Planejamento do BNDES, na edição de hoje do Valor. Câmbio valorizado e juros altos é uma receita que compromete o futuro. A armadilha é cruel. Com o nível real de juros, qualquer política de intervenção no mercado de câmbio soma o ruim ao muito ruim - a esterilização custa caro e eleva ainda mais a dívida pública, que já sofre a pressão significativa das altas da Selic. Juros altos realimentam a valorização cambial. A inflação continua estacionada na casa dos 7% há um bom tempo, e dificilmente ela estourará o teto da meta, de 7,5%. É óbvio que para jogá-la para abaixo de 6% exigirá fortes doses extras de juros, assim como é óbvio que isso seria desastroso e desnecessário. Já que o Copom perdeu as chances de baixar os juros a taxas civilizadas, deveria agora, pelo menos, parar de subi-las e ter como norte a sua redução rápida e não sua manutenção "por um prolongado período de tempo", que já se tornou mantra nas atas da instituição.