Título: Responsabilidade Fiscal assemelha PT e PSDB
Autor: Arnaldo Galvão
Fonte: Valor Econômico, 17/05/2005, Especial, p. A10

Os números da gestão fiscal dos governos de Luiz Inácio Lula da Silva e Fernando Henrique Cardoso são diferentes, mas não há um contraste nítido indicando que um deles tenha desrespeitado mais que o outro os princípios básicos da responsabilidade fiscal. O calor da troca de acusações entre tucanos e petistas é antes político que técnico. O Valor ouviu três especialistas em finanças públicas e suas análises mostram porque há uma diferença de comportamento entre as duas administrações. O economista Raul Velloso diz que o governo Lula recebe "nota 10" no curto prazo, mas vê problemas no longo prazo. "Parece que Lula está engessando o Orçamento. Não sabemos onde essa postura vai nos levar. Mas no curto prazo, ele é até mais ajustador que FHC", compara. O número que mais impressiona Velloso é o do peso das despesas obrigatórias nas despesas não-financeiras. Ele era de 87% em 2002 e saltou para 91% em 2004. O programa Bolsa Família é um exemplo disso. Segundo o economista, Lula aumentou essa despesa em 66% acima da taxa de crescimento do PIB no período 2002-2004.

Mas o consultor e ex-secretário municipal de Finanças de São Paulo, Amir Khair, tem interpretação diferente e absolve Lula. "Vejo claramente que o governo Lula é mais rigoroso na gestão fiscal porque opera com resultados primários maiores. E a qualidade do gasto de FHC foi um fiasco. Os valores de transferência para a área social tiveram um grande avanço com Lula", conclui. O economista Guilherme Loureiro, da consultoria Tendências, tem um diagnóstico próximo do apresentado por Velloso. Ele vê um comportamento fiscal muito semelhante nos dois governos, mas preocupa-se com o rígido déficit da Previdência - estima em R$ 39 bilhões para 2005 - e com o aumento do número de servidores públicos. Loureiro diz que os gastos do governo com pessoal em relação ao PIB caíram de 5,45% em 2002, para 5,02% em 2003 e 4,96% em 2004. Mas o que aumentou no governo Lula foi o número de servidores. Nos últimos 36 meses, foram incorporados 105,5 mil pessoas às folhas de pagamento. "A base para os reajustes será, portanto, maior. Estimamos que o gasto com pessoal suba para 5,05% do PIB", projeta o economista da Tendências. A proposta que o Executivo preparou para a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) no biênio 2006-2008 foi positiva na opinião de Loureiro. Isso porque ela limitou a carga tributária federal em 16% e os gastos em 17%. Foto: Marisa Cauduro/Valor - 12/11/2004

Khair: FHC e Lula omitiram-se em relação aos limites de endividamento da União

Khair reconhece que a aprovação da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), em maio de 2000, foi uma grande conquista do governo FHC, mas afirma que entre 1995 e 1998 "não houve preocupação fiscal". A prioridade, segundo a análise do consultor, era o combate à inflação sem articulação com a política fiscal. "Infelizmente, isso continua", lamenta. Na média dos oito anos de FHC, Khair informa que o resultado primário do governo central foi de 1,7% do Produto Interno Bruto (PIB) e os juros nominais foram de 8,8% do PIB. Portanto, o resultado nominal foi deficitário em 7,1%. Esse é o número da gestão fiscal. Na comparação com o melhor ano de Lula, 2004, o resultado primário foi 4,6%, os juros foram de 7,1% e o resultado nominal foi deficitário em 2,5%. "É muito importante ter visão de longo prazo na gestão fiscal. A discussão está muito concentrada no resultado primário, mas é impossível esquecer os juros. Portanto, falta dinheiro público e sacrifica-se o investimento, o bom gasto em saúde, educação, infra-estrutura, etc.", critica o consultor. Khair é um crítico da política monetária e acusa as sucessivas altas dos juros, decididas pelo Banco Central, de provocarem mais inflação e, claro, ainda aumentarem a dívida pública. Ele alerta para o fato de o mercado acompanhar o nível e a trajetória da dívida dos países. Com base nisso, uma projeção preparada por Khair considerou, por dez anos, o mesmo resultado nominal registrado em 2004 - -2,5% do PIB - e a taxa de 5% para o crescimento do produto. O resultado é desanimador: a trajetória da dívida seria negativa e faria com que ela chegasse a 52,1% do PIB em 2014. Em 2004, foram 51,6%. Portanto, ele defende que o Brasil cumpra metas de resultados nominais e não apenas de superávit primário. Na primeira semana de maio, tucanos e petistas agitaram-se no calor político das comemorações dos cinco anos da aprovação da LRF. O ministro da Fazenda, Antonio Palocci, chegou a reconhecer que o PT errou ao votar contra a proposta. Mas o combustível foi a Medida Provisória 237, publicada em 28 de janeiro. Em seu artigo 9º , ela exclui as operações de crédito referentes ao Programa Nacional de Iluminação Pública Eficiente (Reluz) das vedações fiscais impostas aos municípios. A oposição acusou o governo de publicar a MP 237, com efeito retroativo a 29 de junho de 2000, para remediar a situação da ex-prefeita de São Paulo, Marta Suplicy (PT). Segundo Raul Velloso, a MP 237 é um mau sinal porque o governo tinha comunicado ao Senado que o município de São Paulo estava irregular. Depois, o mesmo governo Lula editou a MP 237. "O pior é o sinal, não os valores envolvidos. Há um cheiro de favorecimento", lamenta o economista. Khair também condena os efeitos retroativos da MP 237, mas considera mais grave o fato de o governo FHC ter enviado ao Senado uma proposta de limite da dívida do governo central e ter "engavetado" o assunto. Para governadores e prefeitos, foi determinado um teto. A crítica de Khair também vale para o governo Lula. Isso porque ainda não ficou provado que há vontade política para ressuscitar o tema.