Título: Bloco emergente terá maior crescimento em 30 anos
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Fonte: Valor Econômico, 18/10/2004, Internacional, p. A-9

O velho "Terceiro Mundo" está vencendo o mundo rico quando se trata de crescimento econômico. A expectativa do Fundo Monetário Internacional (FMI) é que os países em desenvolvimento cresçam 6,6% este ano, maior expansão em pelo menos 30 anos. De fato, pela primeira vez desde que "The Economist" começou a divulgar seus indicadores de mercados emergentes, há mais de uma década, todas as 25 economias emergentes acompanhadas semanalmente pela revista registram crescimento positivo. Mesmo a última colocada este ano, a África do Sul, cresce à taxa razoável de 2,5%.

No passado, quando uma região prosperava, normalmente outra ficava mais pobre. Hoje o crescimento rápido é compartilhado de forma mais uniforme entre as economias emergentes. A expectativa é que os países emergentes da Ásia e da ex-União Soviética cresçam perto de 8% este ano. América Latina, Europa Central e do Leste, Oriente Médio e África devem crescer cerca de 5%. No topo da lista estão Turquia e Venezuela, que tiveram expansão de mais de 13% no segundo trimestre, em relação ao mesmo período de 2003. A China continua a crescer à taxa anualizada de quase 10%. Mais surpreendente, devido ao seu histórico, é o bom desempenho de Índia, Argentina e Rússia, que cresceram pelo menos 7% entre o segundo trimestre de 2003 e o mesmo período deste ano. Desde 2000, as economias emergentes crescem em média duas vezes e meia a mais que o mundo desenvolvido (veja quadro). Isso é resultado de vários fatores favoráveis. A forte demanda dos EUA e da China impulsionou o comércio global e desencadeou uma grande alta no preço das commodities. Isso beneficia produtores de matérias-primas como Brasil, África do Sul e Rússia. A queda nos juros globais reduziu os custos do serviço da dívida, e a desvalorização do dólar melhorou a competitividade das exportações dos países asiáticos que têm suas moedas atreladas ao dólar. Até as perspectivas da África estão melhores que em muitos anos. O continente também se beneficia de uma recuperação da agricultura, após as grandes secas no ano passado, e de uma maior estabilidade política. O FMI prevê crescimento de 5,8% em 2005 na África Subsaariana, talvez a maior taxa de expansão em três décadas. O avanço na situação econômica dos emergentes não se deve unicamente a fatores externos favoráveis. A situação financeira básica dessas economias também melhorou. Reformas estruturais e políticas macroeconômicas mais saudáveis as tornaram mais capazes de sustentar crescimento forte e suportar choques externos adversos. A inflação está sob controle e os déficits orçamentários foram reduzidos. As economias emergentes têm, em média, déficits muito menores que os dos países ricos. Segundo estudo do banco UBS, as economias emergentes estão menos dependentes do que nunca do capital externo. Em conjunto, têm superávit em conta corrente há seis anos seguidos, depois de passarem quase 20 anos em déficit. Ao contrário dos períodos anteriores de crescimento, custeados por endividamento e muitas vezes seguidos por crises financeiras, a atual expansão tem sido bancada pela poupança interna. Isso permite que muitos países reduzam a dívida externa. A razão entre dívida externa total e exportações nos países emergentes caiu de 172%, em 1998, para 93% este ano. As reservas em moeda estrangeira cresceram para o equivalente ao total de importações de oito meses, contra apenas cinco meses pouco antes da Crise Asiática, em 1997. Além disso, a maioria das economias emergentes já não tem as taxas cambiais fixas insustentáveis que contribuíram para as crises do passado. Oficialmente, as taxas flutuantes são a norma agora. Muitos países asiáticos intervêm, mantendo uma atrelagem informal de suas moedas ao dólar. Em geral, porém, elas estão subvalorizadas. Em 1997, essas moedas estavam muito supervalorizadas. Se as economias emergentes estão se saindo tão bem, por que os seus mercados financeiros não estão disparando? O índice do Morgan Stanley Capital International para mercados emergentes cresceu em dólar apenas 7% este ano. As ações latino-americanas tiveram fortes ganhos, mas muitos mercados asiáticos, como na China e Índia, recuaram. Em média, os preços das ações estão 20% abaixo do pico de 1994. Muitos investidores se mantêm cautelosos, depois de amargarem perdas nas crises asiática, russa e argentina. Há muitos riscos em relação às economias emergentes. Uma queda na demanda americana ou chinesa, com conseqüente retração nos preços das commodities, é uma possibilidade. Novas altas nos preços do petróleo é outra. Há ainda o risco de uma grande elevação nas taxas globais de juros. Alguns desses riscos, porém, contrabalançam outros. Menor demanda nos EUA significaria taxas de juros mais baixas, por exemplo. Se os investimentos na China despencarem, os preços do petróleo cairão. De qualquer forma, as políticas mais sadias e os superávits em conta corrente põem hoje os emergentes em uma posição melhor para aguentar choques do que em crises anteriores. A América Latina e a Europa Central e do Leste parecem mais vulneráveis que a Ásia. O Brasil, por exemplo, apesar de ter superávit em conta corrente pela primeira vez em uma década, ainda tem uma enorme dívida externa e sua moeda aparentemente está supervalorizada. Se o real caísse em relação ao dólar, o custo do serviço de sua dívida, denominada em dólar e com taxa flutuante, cresceria. As economias emergentes européias são mais vulneráveis. O enorme déficit em conta corrente da Hungria, de 9% do PIB, e a dependência de fluxos de capital de curto prazo são alarmantes. República Tcheca e Turquia também têm grandes déficits em conta corrente. A Rússia, ao contrário, tem superávit de 8% do PIB na conta corrente, devido à alta nos preços do petróleo e de matérias-primas. É quase certo que vão surgir problemas nos mercados emergentes nos próximos anos. Mas a situação econômica atual desses países parece um alicerce sobre o qual eles estarão mais preparados para enfrentar problemas futuros.